Críticas AdoroCinema
2,0
Fraco
Peregrinação

História poderosa encontra o naufrágio

por Barbara Demerov

Adaptada do livro do explorador português Fernão Mendes Pinto, a trama do longa de João Botelho já é interessante por si só, pois narra as inúmeras e arriscadas aventuras pelas quais Fernão passou em diferentes continentes ao longo de duas décadas.

A questão que o diretor deixa à espreita, porém, é a escolha de sempre deixar margem para várias interpretações. Portanto, o protagonista não é bem um herói visto aos olhos do espectador. Ele de fato é um personagem que vive coisas incríveis, mas será que estamos vendo apenas o que ele quer que saibamos? Por mais que seu livro tenha sido registrado como oficial, assim como suas aventuras, Peregrinação parece brincar com a veracidade dos fatos.

O filme é traçado em diferentes épocas, com foco no período de sua grande viagem e também no período em que já se encontra de volta a Portugal (com esposa e filhos), contando para todos os seus desafios pelos mares. Mas, mesmo possuindo apenas duas linhas temporais, Peregrinação torna-se confuso no sentido de dar vida e mais força ao protagonista, cuja história fascinante é a mais traduzida da literatura portuguesa. O problema parece ser que João Botelho está mais interessado na biografia como um todo do que em contá-la por meios mais pertinentes, priorizando um roteiro mais claro (também feito pelo mesmo).

Os eventos narrados por Fernão são envolventes e divertidos - além de possuírem, entre um ato e outro, uma pequena participação musical que dá certo aspecto teatral à obra. As canções funcionam como parte da história e dão certa leveza, aliadas ao humor sempre presente na personalidade e falas do explorador. Mas a verdadeira questão é o uso excessivo de narração em off, que dá a impressão de que a história ora está sendo contada vagarosamente, ora rápido demais. Algumas passagens de Fernão (como na China) são mais desenvolvidas que as outras, e isso não dá a elucidação geral que a história devidamente merecia.

A inconsistência da câmera e dos ambientes filmados dão um ar de fragilidade à história, especialmente nos momentos em que os fatos não são claramente explicados. A atuação de Cláudio da Silva como Fernão convence e diverte na maior parte do tempo, mas não consegue sustentar a pouca dinâmica da narrativa, que visivelmente perde seu foco nos momentos finais.

Filme visto na 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro de 2018.