Críticas AdoroCinema
1,5
Ruim
O Homem que Parou o Tempo

O dia passa e horas se estendem

por João Vítor Figueira

Na mitologia grega, Chronos já foi representado como um deus que devora os próprios filhos, história que alegoriza a inevitabilidade do tempo, que tudo cria e tudo consome. A imagem brutal é uma boa maneira de mostrar o quanto o excruciante peso do passar dos dias angustiava a humanidade desde a Antiguidade Clássica (e certamente desde o início da consciência humana). Em sintonia com esta inquietude, este sentimento milenar, está o protagonista de O Homem que Parou o Tempo, média-metragem do realizador Hilnando SM. João (Gabriel Pardal, de Tropykaos) é um programador solitário em vias de afundar em suas próprias ânsias envolvendo imparável marcha das horas. É uma pena que, nesta jornada, o personagem aparente ser construído pelo roteiro para despertar mais tédio do que reflexões no espectador.

Com apenas uma hora de duração, o filme conta com uma direção ousada, mas uma narrativa arrastada e te vence (sem convencer) pelo cansaço mostrado através repetição de recursos (como um som reiterado à exaustão ou uma mesma tomada que aparece na projeção inúmeras vezes). Ao final, caberia a João uma relação com o estado de espírito do eu-lírico de "Time", canção do Pink Floyd, no verso que diz: "pensei que eu teria algo mais a dizer".

Na trama, acompanhamos os momentos de isolamento do protagonista em seu apartamento bagunçado de forma milimétrica (as garrafas d’água vazias estão espalhadas de uma maneira pouco natural) e sem vida. Neste espaço ele passa boa parte de seus momentos em um computador arcaico (trabalhando no "pior emprego do mundo"). Em uma das paredes do cômodo, papéis colados na parede dão a noção de uma série de cálculos nos quais o personagem dedica seus neurônios. A sinopse do filme afirma que João faz experimentos para parar o tempo, mas isso nunca é explicitado ou sugerido com uma veemência mínima ao longo do média-metragem. Aliás, eis outro problema do filme: oficialmente esta é uma ficção científica distópica, mas nada alude ao gênero. Os únicos elementos que causam estranheza e lançam dúvida sobre o estado das coisas e a época na qual o filme se passa são o PC retrô de João e seu celular antiquado.

João lida com três pessoas ao longo do filme. Pelo telefone, uma mulher representa as obrigações da vida moderna com suas impiedosas cobranças. Iuri Saraiva interpreta Lucas, um amigo inconveniente do protagonista que consegue a façanha de ser mais chato do que o personagem principal. Camila Márdila, de Que Horas Ela Volta, aparece no filme mais como um dispositivo à serviço de João do que como uma personagem, embora seja importante ressaltar a naturalidade da atuação da atriz. É na interação entre Mai (Camila) e João enquanto os personagens caminham da orla da praia de Copacabana que O Homem que Parou o Tempo tem a chance de apresentar seu herói deprimido sob lentes menos desesperadoras e o personagem tem a chance de quebrar seus grandes silêncios e explicar sua visão de mundo. O que acontece aí é que o roteiro tenta passar devaneios sobre aproveitar o presente como se fosse uma verdade revelada, uma profunda epifania filosófica que, de certa forma, é bastante clichê (além de ser contraditória com a psiquê de João). Quando está em sua faceta retraída, a construção do protagonista também recorre ao lugar comum, com suas caminhadas de lobo solitário, seu mal-estar plano e a enfadonha morosidade das situações que o personagem cria.

Em seu trabalho de estreia, Hilnando mostra que, mesmo que nem tudo seja perfeito em O Homem que Parou o Tempo, tem propostas interessantes e um estilo de direção ousado. O cineasta experimenta texturas, matizes, enquadramentos e compõe um retrato gélido da Zona Sul do Rio de Janeiro como poucas vezes se vê no cinema nacional recente, quase como numa intertextualidade incidental com uma orla melancólica cantada por Caetano VelosoAdriana Calcanhoto e com a capital pernambucana distópica de Recife Frio. Em mais um acerto da ambientação, Hilnando filma o esqueleto de uma estrutura esportiva montada na Praia de Copacabana como uma construção-fantasma, um lembrete de que as promessas sobre um legado proveniente dos grandes eventos que a cidade recebeu corroem como metal exposto à maresia, de onde se pode partir para leituras da situação política do Brasil como um todo.

O tempo pode ser relativo e sentimentos são subjetivos, mas um ritmo menos sorumbático e um norte mais claro sobre as intenções e motivações de João teriam ajudado O Homem que Parou o Tempo a fluir melhor.