Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
Resgate

Herói solitário

por Barbara Demerov

Na única cena em que é possível descobrir alguns fatos da vida do protagonista de Resgate, novo filme da Netflix, Tyler (Chris Hemsworth, muito bem no papel) conta ao garoto Ovi (Rudraksha Jaiswal) que já perdeu alguém extremamente importante e afirma que não é um homem corajoso. "Eu sou o contrário de corajoso", diz. Esta latente falta de fé em si mesmo, no entanto, parece ser o combustível de Tyler, mercenário que atua em diferentes partes do mundo e que não possui qualquer tipo de limitação física - embora sua mente não esteja completamente saudável.

O protagonista é alguém que pode ser chamado de "herói solitário", perfil amplamente conhecido no cinema western e que já é interessante por si só: este tipo de personagem não tem nada a perder. Ele não tem receio dos desdobramentos de suas ações e possui um objetivo que pode ser resumido à missão em si ou ao dinheiro que receberá no final. Em Resgate, a ideia não é reproduzir exatamente este mesmo perfil abruptamente, tampouco forçar o espectador a pensar nas semelhanças. Apesar de termos aqui um cenário completamente diferente da aridez do faroeste, a analogia vem sem muita dificuldade.

FILME TEM UMA MISSÃO SIMPLES E DESDOBRAMENTOS COMPLEXOS

Quando Tyler aceita a missão de resgatar Ovi, refém de uma gangue rival à de seu pai (que se encontra preso no atual momento), não há praticamente nenhum empecilho em sua jornada. Afinal, além de "ganha-pão", esta será mais uma forma de desviar a mente de problemas que ele ainda tem dificuldades de enfrentar ou enxergar com mais clareza. Mas é claro que as coisas vão mudando com o tempo, ao passo que Tyler se apega ao menino e deixa de vê-lo como um simples pacote a ser entregue em segurança.

Apesar da urgência narrativa, o diretor Sam Hargrave (coordenador de dublês que já trabalhou em vários filmes do universo Marvel com Chris) e o roteirista Joe Russo (irmão de Anthony Russo) mesclam muito bem as cenas de ação desenfreada com as demais em que o ritmo precisa cair para que o drama funcione. Há planos-sequência excelentes e, logicamente, bem coordenados graças ao diretor - alguns possuindo cortes discretos, mas que ainda assim são capazes de manter uma precisão enérgica por longos minutos. Enquanto cinema de ação, Resgate realiza muito bem seu objetivo principal.

RESGATE TRAZ UM DRAMA ÍNTIMO E SOCIAL

Ainda que, enquanto cinema de drama, o filme deixe a desejar no tratamento de personagens secundários e não atinja um nível mais complexo fora a trama de Tyler, Resgate funciona quando age dentro de suas próprias limitações: o inimigo em comum, o aliado que nem o protagonista reconhece de início e a equipe que atua junto com ele funcionam como um círculo, fechando uma narrativa que não peca pelo excesso. 

Há, ainda, uma certa exposição do trabalho infantil na linha de frente da violência em forma de crítica social - mas ela não ganha traços finais mais positivos, dando como margem de reflexão o verdadeiro estado de abandono em que elas se encontram. Atuando paralelamente à história pessoal de Tyler, tal questão social se balanceia bem de modo geral. Desta forma, o processo de "redenção" do personagem tem espaço para evoluir, por mais que o espectador pouco saiba sobre sua história e ela se encaixe em padrões um tanto clichês. Mas Hemsworth carrega muito bem o peso de Tyler, inserindo um clássico arquétipo para os dias atuais.