Críticas AdoroCinema
1,5
Ruim
O Date Perfeito

A uberização dos contos de fada

por Bruno Carmelo

Primeiro, é bom avisar: os fãs de Noah Centineo provavelmente gostarão deste filme. A Netflix tem se esforçado em fomentar o retorno de um star system adolescente, ocupando seus principais nomes com sucessivas produções de estilo semelhante. No caso, a trama é feita sob medida para o astro teen e seu público-alvo. Ele reproduz a dinâmica da comédia romântica, se vê como parceiro amoroso de mulheres de todos os tipos e idades (uma razão a mais para a fã se imaginar no lugar daquelas pretendentes), e tem a oportunidade de se redimir de uma conduta individualista até se tornar uma pessoa melhor.

Não, este não é um spoiler, apenas a previsibilidade esperada de uma comédia romântica, cujos códigos são cumpridos à risca em O Date Perfeito. Qualquer pessoa que já tenha visto mais de dois filmes do gênero será capaz de adivinhar exatamente quem ficará com quem no final, e qual destino terão os coadjuvantes. A comédia romântica nunca foi conhecida por sua pretensão de surpreender, nem pela ambição narrativa. Ela apenas fornece um parêntese na vida cotidiana, uma idealização de controle do destino. Filmes como este funcionam como o chamado comfort food, não muito nutritivo, mas suficiente para acalentar durante algumas horas. No menu, a Netflix propõe ao espectador (ou à espectadora) a possibilidade de se perguntar: o que eu faria se pudesse ter um encontro com Noah Centineo?

O tal aplicativo de encontros serve como uma simples desculpa para a trama avançar. Em dificuldade financeira, Brooks Rattigan (Centineo) tem a ideia de se oferecer como acompanhante para mulheres solitárias, sem parceiros de dança ou em busca de conselhos amorosos. Não há envolvimento sexual, e o espectador mal vê as meninas contratantes. O diretor Chris Nelson se contenta com uma montagem rápida com o protagonista vestido de caubói, rapper, hipster, jogador de tênis. Os múltiplos personagens poderiam constituir uma ótima oportunidade para o ator demonstrar sua versatilidade, mas o filme se limita a revelar as roupas, como num desfile de moda - ou melhor, como nas típicas cenas em que garotas entram e saem de vestiários de lojas com novos figurinos, esperando a aprovação dos amigos.

Talvez isso ocorra pelo fato que, convenhamos, o astro não constitui exatamente um mestre das artes dramáticas. Noah Centineo sorri (e a câmera se aproxima do seu rosto), faz gestos malandros, posa de rapaz descolado, mas não demonstra grande habilidade em brincar com diálogos, nem mesmo em aprofundar seu personagem quando uma virada dramática se anuncia. Para complicar a situação, ele se encontra diante de Laura Marano, uma atriz muito mais talentosa, cujo misto de sarcasmo e gentileza a coloca na linha de jovens atrizes como Olivia Cooke. No papel da emburrada Celia, Marano se sai muito bem tanto no humor quanto no drama, o que torna as limitações do parceiro de cena ainda mais evidentes.

Quanto ao aplicativo, ele é praticamente abandonado quando a história não sabe mais o que fazer com ele. Haveria inúmeras maneiras de a empreitada dar errado, mas o roteiro se contenta em suspender os serviços por tédio dos personagens envolvidos. Antes disso, no entanto, fornece um painel curioso desta espécie de uberização do romance e das amizades: Brooks é contratado para ser o “companheiro de aluguel” para Celia num baile, algo que agrada plenamente aos pais da moça, contentes em entregar a filha aos cuidados de um desconhecido. Nenhuma personagem feminina sente medo, insegurança ou vergonha em se encontrar com o rapaz, e nenhuma tensão sexual nasce destes encontros.

Trata-se de um mundo asséptico, no qual as pessoas mudam de ideia com uma velocidade espantosa (sobre suas faculdades, seus planos de futuro, seus amores), e assumem relacionamentos falsos sem que isso seja questionado pelo filme. O pai de Brooks (Matt Walsh), inclusive, fica feliz por ter um “filho empreendedor”, e o aplicativo de encontros é concebido como a possível porta de entrada para uma universidade de ponta como Yale. Enquanto isso, o melhor amigo (Odiseas Georgiadis) aparece e desaparece quando convém, sendo substituído por outro funcionário do dia para a noite, e uma pretendente (Camila Mendes) está disponível para o romance segundos após uma ruptura amorosa. Afinal, a fila anda. Este é um mundo levemente progressista, do tipo que permite a entrada de minorias, contanto que desprovidas de desenvolvimento (o melhor amigo negro e gay), e que sirvam apenas a fomentar os conflitos do personagem principal.

Ao final, aprende-se que é preciso “ser você mesmo”, não tentar agradar os outros. Esta é uma bela mensagem, sem dúvida, ainda que extraída a fórceps, numa guinada súbita e incoerente com a construção dos personagens. Mesmo sem possuir qualquer elemento propriamente mágico, O Date Perfeito se anuncia como uma fantasia, um conto de fadas no qual o gato borralheiro tem a oportunidade de ser uma nova Cinderela todas as noites, em cada baile diferente, até ter sua verdadeira personalidade (o coração bom) descoberto pela princesa que o aceitará, com a ajuda da Fada Madrinha, no caso, um garoto negro e gay. E todos viveram felizes para sempre.