Críticas AdoroCinema
3,0
Legal
Boi de Lágrimas

Resistindo por diferentes formas

por Barbara Demerov

Formigas trabalhando em conjunto se misturam com imagens de humanos com semblantes cansados, que parecem não suportar o peso que carregam interna e externamente. Tal contraste é colocado logo no início de Boi de Lágrimas, de Frederico Machado. O diretor de filmes experimentais e independentes segue um estilo sóbrio que encontra o suspense em seu novo projeto, filmado em três dias e que mostra, através da individualidade de seus personagens, o quanto a política e a cultura se assemelham enquanto formas de protesto.

O título do filme também é o título de uma música da cantora Alcione, cujos versos têm muito a ver com a mensagem que o diretor quer passar. "Levanta boi e vai, que é pro amo ver que boi também chora, também sente dor", uma das passagens da canção, ganha bastante sentido após o espectador entender o que se passa dentre os cinco personagens retratados ao longo do filme, cuja tristeza, dor e pesar são expressadas na maior parte do tempo. Esbanjando tantos sentimentos negativos, o que mais chama atenção em Boi de Lágrimas é o modo como Frederico conta sua história: sem precisar que aquelas pessoas falem uma única palavra.

A comunicação entre o pai, a mãe, a filha, o namorado da filha e o amigo da família é colocada com uma ausência muito forte que só é entrecortada pelo som da televisão (sempre mostrando notícias ligadas à política no Brasil). Tal escolha em apresentar seus personagens deste modo, sem que nada seja dito, ganha mais sentido e detalhes com o direcionamento de Frederico, sempre destacando suas faces e expressões, sobretudo tristes. Solitários e isolados, eles utilizam da cultura do "Bumba Meu Boi", da dança, para extravasar e criarem suas manifestações – com exceção da filha, que além de dançar também entoa palavras como "Fora Temer" (que não chegam a ser ouvidas pelo espectador) em passeatas políticas contra as Reformas Trabalhista e da Previdência.

Além do domínio que possui ao fazer deste filme um suspense sensorial pela ausência de diálogos, Frederico Machado também se expressa através de cores (como já é praticamente uma marca registrada em seus trabalhos). A cor vermelha se mostra presente em quase todo o momento, especialmente quando posta nos rostos dos personagens ou em momentos mais dramáticos (como no parto da esposa), representando dor e violência.

Se uma das primeiras imagens que podem ser vistas em Boi de Lágrimas é a sequência das formigas trabalhando, a primeira coisa que o espectador escuta enquanto a tela ainda está escura é o recorte de vários pronunciamentos de figuras históricas da política. O viés político nunca se perde durante a execução da obra, mas a visão de manifestação vai misturando os protestos da filha com a satisfação (ainda que discreta) do pai dançando em meio à apresentação da dança do folclore brasileiro.