O espaço como protesto
por Barbara DemerovO filme de abertura do 9º Olhar de Cinema, festival realizado no formato online este ano, se contrasta muito com o que a sociedade está vivendo atualmente. Para Onde Voam as Feiticeiras é o cinema de rua, o cinema impulsionado essencialmente pelo o que se vê, o que se sente e o que se guarda a partir da experiência de viver o que existe lá fora.
Os diretores Eliane Caffe, Carla Caffe e Beto Amaral registram a troca artística e humana entre o grupo LGBTQIA+ (formado por Ave Terrena Alves, Fernanda Ferreira Ailish, Gabriel Lodi, Mariano Mattos Martins, Preta Ferreira, Thata Lopes e Wan Gomez) e diversas pessoas no centro de São Paulo -- uma troca que eclode em uma mistura de documentário com performance. Arte e realidade se chocam e resultam em uma experiência tão imprevisível quanto indispensável.
Desde a primeira cena o espectador já é transportado para dentro daquele microcosmo colorido e engajado, que está pronto para mergulhar em discussões políticas e sociais e trazer quem puder para participar. Toda a composição técnica do documentário -- a direção, os enquadramentos, os planos que captam as performances e as reações ao mesmo tempo -- é importante para que a atenção sempre fique voltada ao grupo em si, que mescla elementos teatrais com temas como política, religião e preconceito.
Para Onde Voam as Feiticeiras se propõe a discutir abertamente as mazelas da sociedade contemporânea, da homofobia à violência contra o povo indígena, com tamanha intensidade que todos que passam em meio às conversas, no centro de São Paulo, param para assistir e/ou participar. O próprio filme mostra que a abordagem política funciona quando é iniciada com performances artísticas. É como se fosse aberto um espaço de diálogo e troca, sendo a arte o principal elo que une ambos os lados. Mas é claro que nem todos os momentos trazem flores, tendo como destaque a cena em que o grupo tenta dialogar com religiosos em uma praça. A reação de um lado é violenta, intolerante.
"O que você faria se seu filho fosse cisgênero?", pergunta um dos membros do grupo em dado momento do documentário. "Não sei, não sei nem o que é isso", responde uma pessoa da plateia urbana. Ao mesmo tempo que afiada, a discussão que se desdobra em Para Onde Voam as Feiticeiras também é educativa -- mas o documentário nunca perde seu tom urgente, atento ao momento presente e ao que pode conquistar com a simples utilização do espaço público como forma de protesto.