Críticas AdoroCinema
3,0
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Dogs Don't Wear Pants

Sadomasoquismo meu amor

por Bruno Carmelo

Para superar a perda de um ente querido, algumas pessoas recorrem à terapia, à ajuda de amigos, à religião, ao álcool, ao isolamento temporário. Quando Juha (Pekka Strang) se torna viúvo, ele não encontra nenhuma forma de consolo, nem na filha adolescente, nem no trabalho de médico. A vida se converte um calvário até ele conhecer, por acaso, os prazeres do sadomasoquismo. Apesar da desconfiança inicial, o homem passa a frequentar o porão de Mona (Krista Kosonen), solicitando um tratamento cada vez mais violento. Conforme as sessões de sufocamento, socos e humilhação se intensificam, Mona se assusta com a resistência do cliente. Quem vai ceder primeiro? Até onde eles estão dispostos a ir?

Dogs Don’t Wear Pants surpreende ao enxergar o potencial terapêutico do bondage. Para o protagonista, este não é apenas um jogo sexual – jamais se atinge o orgasmo nem se pratica penetração, por exemplo -, e sim uma maneira de perder o controle de si mesmo e lidar com o sentimento de culpa pelo afogamento da esposa. Ao invés do recurso a um fetiche ocasional, as sessões se tornam uma obsessão, um motivo suficiente para que Juha negligencie o cuidado da filha e os pacientes no hospital. O filme passa da cura ao vício, da solução à possível causa de sua morte. Afinal, o homem entristecido não estaria buscando no atendimento de Mona uma via para o suicídio, sem precisar cometê-lo por si mesmo?

Pela descrição acima, o filme finlandês se assemelharia a um drama ou suspense, mas o diretor J.P. Valkeapää constrói esta trajetória por meio da comédia absurda. Inicialmente, o roteiro explora o humor do desconforto de Juha (a vergonha se ser espancado, chamado de “cachorro”, urinado), para em seguida se focar no desconforto de Mona que, diante do cliente voraz, precisa criar novas técnicas e instrumentos de cura/tortura. Não por acaso, ambos são profissionais da saúde: durante o dia, a dominatrix desempenha a função de fisioterapeuta, cuidando de crianças deficientes ou de idosos. Esta experiência corporal se transforma em extensão da prática médica, como atestam as hilárias comparações entre o clube de SM e o hospital, entre os gemidos de prazer dos clientes e os gemidos de dor dos pacientes.

Seria importante questionar porque o sadomasoquismo recebe uma abordagem quase sempre humorística no cinema, como se o tema não pudesse ser levado a sério sem escancarar a fantasia das relações de dominação. Neste caso, pelo menos as duas partes têm direito a uma investigação sincera de suas vidas pessoas, buscando compreender o que as levam a tais atividades. Além disso, os risos provocados pela trama não provêm da ridicularização de Juha, Mona e demais clientes, apenas dos efeitos colaterais inesperados e da dificuldade de conciliar uma vida privada com a persona submissa dentro dos porões escuros. Em outras palavras, rimos com eles, mas não deles. A dor do luto e a preocupação de Mona com a saúde de seus clientes são representadas com seriedade e respeito.

Dogs Don’t Wear Pants também demonstra inesperada ambição estética para uma comédia de vocação popular. Valkeapää orquestra uma potente ambientação através das roupas brilhosas em couro, dos vidros embaçados e da luz estroboscópica da casa noturna. É uma pena que o refinamento não coincida com uma investigação mais profunda dos personagens: embora mergulhemos no sadomasoquismo enquanto metáfora do luto, nunca conhecemos outros aspectos da vida de Juha. O roteiro não se preocupa em trabalhar o passado, o amor pela esposa, e tampouco se importa com a filha adolescente ou o melhor amigo do hospital. A obsessão de Juha se transforma na obsessão do filme como um todo, impedindo que o espectador insira estes desejos num contexto universal.

Além disso, à medida que se desenvolve, o humor se torna cada vez mais explícito, como se a única saída para a narrativa fosse se intensificar, ao invés de se desenvolver. O princípio da gradação é interessante, mas limita a exploração psicológica a um jogo de poder. Afinal, quem controla quem? Quem é mais forte, o dominador ou o dominado? O projeto se sobressai na relação entre os protagonistas, porém se enfraquece assim que despe Juha das roupas de couro. A improvável comédia funciona melhor enquanto exploração do universo sadomasoquista do que representação da vida de um homem em luto.

Filme visto no 72º Festival Internacional de Cinema de Cannes, em maio de 2019.