A triste esperança
por Bruno CarmeloEste documentário parte de quatro histórias que jamais se cruzariam, se não fosse pelo fato de envolverem uma pessoa desaparecida. Ao que tudo indica, as vítimas foram assassinadas por policiais ou milícias, anos atrás. No entanto, na ausência de provas, na falta de um corpo que permita aos familiares realizar o luto, estas pessoas ainda poderiam voltar, um dia. Em comum, têm o fato de serem figuras marginalizadas – moradoras de bairros pobres, militantes, indígenas. “Se ele fosse ‘tranqueira’, teriam achado. Se fosse filho de rico, teriam encontrado também. Mas o meu filho está no meio desses dois”, explica a mãe de um rapaz desaparecido.
“Nós”, o título, diz respeito tanto à união na qual se insere a direção, na forma de um olhar empático, quanto ao entrelaçamento de fios que não podem ser rompidos. O diretor Pedro Arantes retrata as vidas suspensas dos familiares, à espera de uma confirmação. Por um lado, temem a descoberta dos corpos. Por outro lado, não suportam viver na incerteza. O diretor filma muito bem os quartos arrumados há 9 anos, esperando pelo retorno do filho sumido, e a obsessão de outra mãe que enxerga num segundo filho a sombra daquele que não voltou. O sofrimento psíquico é tratado com respeito, distanciamento, através de cortes bruscos no som e na imagem antes que uma fala se torna sentimental demais.
Ao mesmo tempo, os recursos estéticos são competentes: tanto as belas filmagens do cotidiano dos familiares – os melhores momentos do documentário – quanto os depoimentos com os rostos no meio do quadro, elegantemente iluminados, demonstram um cuidado e um refinamento importante para um documentário de orçamento reduzido. O cineasta foca-se nos rostos, nos silêncios, nas vozes trêmulas, privilegiando as relações afetivas à denúncia da impunidade. A indignação dos pais e mães se faz menos presente do que a esperança utópica, longínqua, da qual se recusam a abrir mão. Partindo de um mosaico sociológico, Arantes prefere efetuar uma investigação psicológica.
Gradativamente, o documentário passa a utilizar alguns recursos curiosos, seja um longo plano giratório numa comunidade indígena, um mergulho no mar, ou depoimentos em forma de letreiros, cuja identidade do entrevistado é ocultada durante certo tempo. São ferramentas questionáveis, porque não se desenvolvem, ou seja, não contribuem a uma proposta estética coesa, e acabam chamando atenção excessiva para si mesmas. O ritmo se arrasta, e no terço final, algumas ideias se repetem rumo aos enxutos 79 minutos de duração. O dispositivo faz boa apresentação das quatro histórias, mas depois não sabe bem como uni-las, ou qual discurso extrair das mesmas para além da constatação dos desaparecimentos.
Outro recurso questionável são os extensos letreiros, após cada depoimento inicial, nos quais se explica o nome da pessoa desaparecida, seu trabalho, a última vez em que foi vista, a provável circunstância de sua morte. O pequeno relatório traz informações fundamentais que a imagem não consegue, ou não deseja, transmitir por conta própria. Os dados servem de confissão para a insuficiência da imagem, precisando ser completada e explicada por recursos externos – que poderiam ser material de arquivo, documentos jurídicos ou da perícia, ao invés das simples explicações fatuais. Os registros se completam, mas deixam a impressão de que Nós poderia se aprofundar na busca imagética e no aspecto político destes crimes sem culpados.
Filme visto no 51º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em setembro de 2018.