Críticas AdoroCinema
1,5
Ruim
Orin: Música para os Orixás

Aula de candomblé

por Bruno Carmelo

Este documentário carrega uma ambição louvável: valorizar as culturas brasileiras de origem africana e demonstrar a riqueza de sons, termos e ideias por trás do candomblé. Ao apresentar seu projeto nos palcos do Festival de Brasília, o diretor Henrique Duarte relembrou o preconceito sofrido pelos praticantes da música, da dança e da religião de origem pagã, e portanto atacada pela maioria no Brasil. Orin: Música para os Orixás busca ser ao mesmo tempo um grito de denúncia e uma voz informativa.

O aspecto informativo é, de longe, o mais explorado pela direção. Numa estrutura convencional, entrevistas com especialistas são intercaladas com cenas nos terreiros, aulas abertas e ateliês onde se constroem os atabaques. Os depoimentos explicam os métodos, as influências em outras músicas brasileiras, do samba ao funk, e explicam as categorias e hierarquias dentro do axé. Apesar da intenção de ser didático, o resultado se torna confuso pelo agenciamento desordenado de ideias. O resultado deixa a impressão de que todas as entrevistas foram captadas e, apenas quando se tinha muitas horas de material bruto em mãos, foi imaginada alguma estrutura capaz de uni-los na montagem. Em outras palavras, não parece existir um roteiro prévio, apenas a lista de algumas passagens consideradas importantes a incluir em um momento ou outro.

Mais questionáveis ainda são as qualidades técnicas do projeto. Partindo do digital de baixa qualidade, o documentário ostenta uma fotografia superexposta e desigual, problemas na captação e mixagem de som – logo para um filme sobre música –, desníveis brutais na correção de cor, edição pouco criativa de imagens de arquivo, uma câmera às vezes trepidando, mal estabilizada, como na cena da aula aberta. No próprio festival de Brasília, filmes com baixos recursos utilizavam a estética caseira como arma política, fazendo com que refletissem a precariedade social e a sensação de urgência de suas demandas. Já Orin não se adequa às limitações, tentando emular um formato mais polido que não consegue alcançar. Mesmo os cuidados mais básicos são negligenciados: vide a sombra do operador de câmera no enquadramento e sobre os entrevistados.

A discussão política e social do candomblé e dos orixás poderia contribuir a dissipar o incômodo diante da estética. No entanto, ele existe apenas de passagem: as importantes menções à “música como arma” e à cultura como veículo para superar obstáculos sociais aparecem em duas rápidas passagens, antes de serem substituídas por mais explicações sobre os diferentes orixás, os tipos de tambores, o valor transcendental dos instrumentos etc. Por mais interessantes que sejam estas categorias, elas têm a desvantagem de oferecerem imagens pré-significadas: todo instrumento é acompanhado de um esclarecimento, toda palavra ganha uma imediata tradução.

A rara cena do tambor sendo construído em silêncio constitui um alívio: finalmente o espectador pode testemunhar algo e tirar suas próprias conclusões, sentir as emoções da música sobre a qual os personagens falam tanto. No entanto, ela constitui a exceção num projeto que enxerga no cinema o equivalente de um material escolar, e não como veículo de arte autônomo – ainda mais em se tratando de um documentário buscando valorizar a arte. Orin: Música para os Orixás se prende demais àquilo que tem a contar, ao invés de nos fornecer material para sentir.

Filme visto no 51º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em setembro de 2018.