A arte do artista na intimidade
por Taiani MendesArnaldo Antunes durante muito tempo representou perfeitamente o estereótipo do "artista maluco", ostentando visual único, apresentando performances intensas e transbordando criatividade desde antes do Titãs, mas ganhando fama irrestrita a partir da explosão da banda nos anos 1980. Brincando de forma séria com a clássica frase de Vinicius de Moraes, Arnaldo afirma que "estranheza é fundamental" ao refletir sobre sua rica obra em Com a Palavra, Arnaldo Antunes, documentário de Marcelo Machado (Tropicália) que oferece ao espectador uma conversa descontraída com o artista.
Isolado numa casa de campo, só com as palavras que tanto ama e os instrumentos que usa para manipulá-las, Arnaldo recebe a câmera como numa visita íntima, desnudado da excentricidade que o caracteriza, confortável em gestos do cotidiano, como descansar na rede ou na cama e se barbear. Para retratar uma figura reconhecida pela subversão da forma tradicional da linguagem, o filme opta por sua "normalização", revelando ainda a lógica por trás das aparentes "doideiras" do artista.
A proposta está de acordo com o momento de sua carreira musical, menos experimental do que outrora em nível solo e especialmente popular no retomado Tribalistas, e credencia a arte de Antunes a atingir ainda mais pessoas. É um pouco frustrante, no entanto, que o retrato de alguém tão fora da curva estruturalmente não exiba qualquer influência da abundante inventividade daquele que é seu tema, resumido de modo geral a uma discografia (ligeiramente desatualizada) e videografia comentada, e dando um sentido a tudo, quando, segundo discurso do próprio Arnaldo, a pluralidade de leituras é que deve ser buscada.
É extremamente informativo e palatável, porém, permanecer na companhia do poeta visual musical por 80 minutos. Os detalhes das escolhas dos nomes e capas de seus álbuns, as apresentações na televisão (inclusive a primeira do Titãs), os bastidores da formação dos Tribalistas (há uma histórica gravação do hit "Já Sei Namorar") e registros com a mão na massa são alguns dos charmes dessa rememoração de trajetória artística em que predominam a alegria e a leveza.
A graça surge naturalmente em coisas bobas, como Arnaldo já não saber de que lado do disco está determinada música e se surpreender reconhecendo amigos em imagens de arquivo, e mesmo sua análise dos altos e baixos da carreira é isenta de qualquer carga negativa. Polêmicas, controvérsias, brigas e mágoas de qualquer espécie não fazem parte de Com a Palavra, Arnaldo Antunes. Arnaldo defende que o artista o é pelo como faz, não pelo que faz, mas aqui é o que é mostrado que faz brilhar a arte, afinal é uma aula prazerosa ouver Arnaldo expondo suas caras palavras e ideias. A ele não cabe definição, porém ao filme sim: é um documentário comum.
Filme visto na 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro de 2018.