Críticas AdoroCinema
3,0
Legal
Mussum, um Filme do Cacildis

Humor confortável

por Bruno Carmelo

Eis um começo um tanto inesperado: o espectador embarca numa viagem pelo significado da palavra “forévis”, tanto pela relação com “bunda” quanto pelo inglês “forever”; tanto no sentido cômico quanto no conceito de eternidade. O filme se aventura, ao mesmo tempo, pelo mito atemporal de Mussum e pela existência mundana do ator e músico. Além disso, a narração resgata o ritmo de analogias consagrado pelo curta-metragem Ilha das Flores, no qual os elementos são amarrados por seus detalhes, permitindo saltos do peixe muçum ao homem Mussum, do rabo do cometa ao rabo do cachorro. Em meio às inesperadas associações, alude-se ao racismo, à comédia e música brasileira, sempre em ritmo descontraído.

O empréstimo ao raciocínio de Ilha das Flores permite que o projeto soe ao mesmo tempo original e restrito: por um lado, ele emprega um formato pouco usual no cinema, especialmente nos documentários, por outro lado, sua principal novidade já foi explorada num filme anterior, o que reduz o impacto necessário ao humor. Mesmo assim, é razoável supor que a maioria dos espectadores não conheça o curta de Jorge Furtado, descobrindo esta linha humorística/analítica pela primeira vez através do agenciamento da diretora Susanna Lira. Quando não investe na conexão curiosa de frases e imagens, o narrador Lázaro Ramos retoma a descrição tradicional dos percalços e méritos de Antônio Carlos Bernardo Gomes, o Mussum. Estes dois estilos se encontram de modo antagônico, ainda que sejam articulados homogeneamente pela montagem.

Sobre Mussum, o documentário oferece um resumo dos momentos inevitáveis: a carreira de músico, a entrada inesperada na vida de ator, o sucesso com os Trapalhões, a morte em decorrência de um problema cardíaco. Um Filme do Cacildis não fornece nenhum elemento particularmente revelador sobre o artista, mantendo-se à distância de temas espinhosos como as cinco mães de seus filhos, a prática do humor brasileiro durante a ditadura ou a possibilidade de as piadas dos Trapalhões serem interpretadas como racistas – tanto naquela época quanto na sociedade atual. A narrativa acena a todas essas questões (particularmente pela fala eloquente de Joel Zito Araújo), no entanto logo retorna aos sorrisos, ao humor ingênuo e físico.

Se o filme não envereda pelos aspectos sociais e políticos do humor, ele se dedica com esmero à manipulação literalmente carnavalesca das imagens de arquivo. As fotografias antigas são animadas, coloridas em verde e rosa (em referência à Mangueira), destacando Mussum entre os colegas dos Originais do Samba, misturando a cor e o preto e branco, colando depoimentos recentes à tela de uma televisão antiga. Paira uma sensação de brincadeira, de encenação típica ao humor lúdico dos Trapalhões, resultando num ritmo fragmentado, colorido, de músicas vibrantes. Consequentemente, as informações se tornam dispersas: o filme menciona a presença de Mussum entre os Originais do Samba, passa a outro tema e, mais tarde, retorna à participação no grupo. O roteiro relaciona o personagem ao peixe muçum, descartando o tópico para retomá-lo rumo ao final. A exposição é surpreendente, mas picotada em excesso – talvez para disfarçar a linearidade sobrejacente, que começa com a infância do personagem e termina com sua morte.

Mussum, um Filme do Cacildis se conclui como um documentário atraente pelas cores, pelo ritmo e pela inevitável nostalgia de resgatar uma figura central no imaginário popular brasileiro. O esforço de pesquisa e de montagem é notável, ainda que a riqueza do material se prestasse a uma reflexão muito mais aprofundada sobre o personagem, o período histórico e os temas atravessados pelo biografado (o racismo, o humor, o cinema popular). Existe algo reconfortante em reencontrar um personagem querido como Mussum e se deparar com os exatos elementos que se esperaria dele. No entanto, este mesmo conforto constitui o limite da abordagem carnavalesca.