Conciliação entre o desejo e o real
por Barbara DemerovSe você que está lendo este texto ama o trabalho que exerce, se pergunte o seguinte: quantas pessoas ao seu redor podem não se sentir da mesma forma? Quantas vezes as ambições são atropeladas por algo corriqueiro - mas poderoso - chamado realidade? Muitas dessas vezes, quando observamos outras pessoas ao longo da vida, jamais podemos imaginar que talvez elas passem por provações que as impossibilitem de seguir o caminho que mais desejam. Não porque seria desafiador, mas porque o sonho simplesmente não se encaixa com a vida construída até aqui.
Seguir sonhos é uma tarefa árdua e deixar uma vida em troca de outra que não está garantida é uma missão quase impossível. As Loucuras de Rose, como o título já indica, fala sobre a "loucura" que faz parte da essência de uma protagonista corajosa e apavorada ao mesmo tempo, cujo maior desejo é o de se tornar uma famosa cantora de country. O que o filme vai nos mostrando, porém, é que seu estilo despojado de viver não condiz com sua realidade diária: ela acaba de sair da prisão, é mãe de dois filhos e possui um relacionamento complicado com a mãe Marion (Julie Walters). Sem dinheiro e sem um cenário favorável em vista, pelo menos a curto prazo, o que resta a Rose (a ótima Jessie Buckley) é abraçar a corrente de uma rotina sem graça que lhe dê sustento.
Mas não é como se isso acontecesse 100% desta forma. Agarrada ao seu desejo de conhecer Tennessee e encontrar contatos que alavanquem sua carreira (mesmo que não componha suas próprias canções), Rose é um produto do "sonho americano", mas com personalidade própria de sobra. Mesmo se vestindo perfeitamente como uma country girl, o sotaque, a postura e o vocabulário asseguram seu jeito inglês de ser, que ou assusta num primeiro momento ou é apenas um tanto cômico. A personalidade forte conta com adereços que praticamente não saem de seu – como as botas brancas, que estão com Rose desde a saída da prisão até os lugares que lhe dão entendimento de que o mundo pode parecer pequeno àqueles que não enxergam a dimensão do íntimo. Seus sonhos não são efêmeros, mas seu modo de ver a própria vida sem cor ou poesia é o que dificulta uma visão panorâmica da alegria que já se faz presente.
Com foco nos desejos mais profundos capazes de nos deixar um tanto quanto cegos, As Loucuras de Rose faz um bom trabalho especialmente por conta da atuação poderosa de Buckley – e do resultado emocionante que ganha ao lado de Walters, cuja personagem dá apoio quando necessário e a razão que só uma mãe pode trazer nas mesmas medidas. Por mais piegas que possa soar em alguns momentos, é nas cenas entre mãe e filha que a mensagem do filme ganha potência. Marion, que trabalha em uma padaria por mais de 20 anos, não é o modelo padrão para Rose, que aceita trabalhar como faxineira até se reestabelecer financeiramente. Mas é justamente nesse emprego "sem graça" que a protagonista vê o vislumbre de um novo caminho – talvez esta seja a parte mais piegas do roteiro, mas também é a que ganha mais contornos dramáticos, uma vez que Rose não é ela mesma quando está com sua chefe.
Além de destacar a importância do equilíbrio entre desejos pessoais e a vida real, As Loucuras de Rose aborda a dificuldade das pessoas em serem sinceras umas com as outras e, especialmente, com si mesmas. Se por vezes é perceptível que Rose se sente mais confortável em mentir, aos poucos vemos o incômodo crescer – e a explosão será iminente. O escape da própria rotina se torna uma segunda prisão, e esta é muito pior do que as paredes físicas que a protagonista encarou por um ano. Em paralelo, sua procura por um destino final a faz enxergar que seus propósitos já delinearam uma vida completa. O filme ganha curvas mais leves a partir do momento em que Rose se dá conta disso e conta com um desfecho sentimental, mas ainda assim retrata com exatidão a dor e o prazer de ser um mero sonhador.