Críticas AdoroCinema
3,0
Legal
El Pepe, uma Vida Suprema

O muso populista

por Taiani Mendes

José Mujica é o presidente que todo idealista de esquerda gostaria de ter. O sérvio Emir Kusturica faz parte da legião de fãs e foi até o Uruguai acompanhar os últimos dias de presidência do bonachão, resultando neste retrato filmado com a lente do encantamento, que reafirma sua fama de político mais humilde do mundo, adicionando ainda camadas de fofura e amor. O diretor se apresenta diante da câmera interagindo em silêncio com seu protagonista, compartilhando chimarrão e trocando sorrisos com os olhos, e a ideia do documentário é colocar o espectador em posição privilegiada semelhante à do cineasta, bem perto do ídolo sem frescuras, aprendendo com enorme admiração.

Há o famoso fusca, Mujica dirigindo trator, Mujica cultivando flores, Mujica detonando o capitalismo e lembrando com orgulho dos assaltos a bancos, Mujica afirmando que doa a maior parte do salário, Mujica abrindo o coração. Opositores talvez se sensibilizem com algo e não-iniciados recebem todas as informações necessárias para juntarem-se ao fã clube, porém El Pepe, Uma Vida Suprema é indisfarçavelmente uma espécie de show de greatest hits para público que já conhece tudo, canta junto e recebe de brinde anedotas menos conhecidas entre um número e outro.

Na cola de Pepe, o diretor se silencia como ouvinte e testemunha, interessado em qualquer coisa que ele tenha a dizer (e todas as frases são bem colocadas) e qualquer interação social, não exigindo nada além da permissão a sua confortável companhia. Um dos raros momentos em que o homenageado perde o sorriso é numa discussão inesperada e acalorada com um opositor, cena que lembra que ele não é unanimidade na "Suíça da América Latina", mas existe dentro do filme principalmente como demonstração de agressiva força argumentativa e autodefesa com unhas e dentes. O bom velhinho não leva desaforo para casa e o sangue segue quente como nos tempos de guerrilha urbana.

A montagem usa de forma inteligente Estado de Sítio, de Costa-Gavras, como ilustração das memórias da ditadura, porém no princípio é incomodamente picotada, em parte consequência do roteiro difuso que pula de tópico em tópico de maneira desordenada. Um ponto alto é a visita do estadista ao local em que ficou encarcerado enquanto preso político, hoje um shopping; e uma surpresa é a guinada em direção a uma love story militante que só se estabelece às claras na reta final e, para definir o longa, deveria ter maior participação de Lucía Topolansky.

A música é o tango, a mensagem é de amor e revolução e o olhar é adorador ao velho lutador, herói da utopia da esquerda - acomodada no pregar para convertidos.

Filme visto no 20º Festival do Rio, em novembro de 2018.