Críticas AdoroCinema
2,5
Regular
De Peito Aberto

Complexidade à mostra

por Sarah Lyra

De Peito Aberto é um documentário que se dispõe, em essência, a desmistificar o ato da amamentação. Para isso, a diretora Graziela Mantoanelli acompanha a rotina de seis mães de diferentes realidades socioculturais nos primeiros meses de vida de seus bebês. De maneira geral, o projeto se apoia mais na mensagem do que na forma. Falar de um tema que ainda é cercado de tabu, principalmente no sentido de desconstruir pré-concepções tão machistas e tóxicas para a vida da mulher, é sempre válido, mas, aqui, isso é feito a partir de uma linguagem estritamente televisiva e jornalística, o que empobrece o conjunto final.

O documentário aborda de maneira informativa e acessível as rupturas causadas na vida de pessoas que agora se dedicam, quase integralmente, a um recém-nascido, focando na figura da mulher e sua relação com o aleitamento. Em um primeiro momento, Mantoanelli fala principalmente da estrutura social que cuidar de uma criança exige. Assim, é comum vermos o longa dar destaque para a fala de mães, parentes e amigos que acabaram se tornando parte essencial do convívio diário. Fica claro, portanto, que abordar uma temática tão complexa quanto a amamentação não diz respeito apenas ao ato em si, mas à questões sociais, culturais, de saúde pública e cidadania. A inserção de especialistas explicando como a figura da mulher é constantemente sabotada durante esse processo é um dos recursos mais reveladores nesse sentido, pois explicita camadas que a sociedade, de maneira geral, costuma negar.

Nesse ponto, o documentário peca por não adentrar essas camadas de maneira mais incisiva. As questões são colocadas à mostra, mas as problematizações se tornam superficiais por conta do excesso de subtemas. Mantoanelli fala de amamentação cruzada, indústria das fórmulas lácteas, convívio familiar, machismo, a diferença na relação com o aleitamento entre mulheres brancas e negras, desinformação reforçada por médicos, bancos de leite, conflitos de interesse entre médicos e indústria alimentícia, licença maternidade, questões financeiras e econômicas envolvendo a amamentação, entre outros. Com uma lista tão extensa de problemáticas, a sensação ao final do filme é a de que, por mais bem intencionado que o documentário seja, a ausência de um recorte delimitado impede um desenvolvimento aprofundado. Há incontáveis maneiras de se falar de um assunto tão abrangente como a amamentação, mas, na ansiedade de investigar tudo, pouco é realmente comunicado em De Peito Aberto.

Ainda assim, na segunda metade, o filme consegue ganhar força. Ao adentrar a história de Marília, Mantoanelli acaba demonstrando um potencial que poderia ter sido explorado já no início da narrativa: a idealização da figura materna. Há uma série de questões psicológicas e sociais que fazem mães, de maneira geral, sentirem que precisam atender às expectativas de terceiros. Quando Marília relata o episódio em que teve um pico de exaustão e deixou o filho sozinho chorando no quarto, a sensação de ouvi-la expressar sua dor é de pura empatia. Com base em tudo que acompanhamos até aquele ponto, enquanto espectadores, julgá-la por sua conduta não é uma opção. É de uma imensa coragem, inclusive, ela conseguir verbalizar esse acontecimento diante de uma sociedade que espera uma superioridade moral das mães. “Tira ele de perto de mim” e “isso não é para mim” são, possivelmente, as falas mais devastadoras do documentário.

É na história de Marília, principalmente, que o documentário chega mais perto da desconstrução proposta em sua narrativa, porque escancara sem nenhum tipo de filtro os impactos psicológicos gerados pela exaustão. Igualmente poderosa é a disponibilidade de Priscila de falar sobre a criação de um bebê dentro de um relacionamento aberto. Com uma cena final que busca empoderar mulheres que tantas dores enfrentaram, De Peito Aberto, como o próprio título sugere, desperta caminhos e possibilidades para um tema que certamente está longe de ser compreendido em sua plenitude, ainda que, obras como esta, estejam dispostas a tentar.