O progresso é uma farsa
por Bruno CarmeloÉ interessante a relação que os cineastas de Brasília estabelecem com a suposta sensação de progresso decorrente da planificação da capital. Adirley Queirós tem tratado os planaltos brasilienses como o palco de uma ficção científica, ou um drama pós-apocalíptico. O diretor André Carvalheira prefere enxergar na cidade um cenário teatral falso, com show rooms fictícios, prédios superfaturados e um marketing enganador. Ao invés de se focar nas Quadras, Eixos e Asas, na parte central ou na periferia, o filme investe num mundo paralelo do “new life”, no qual as pessoas “vivem um novo conceito” de moradia, investindo numa “experiência de conforto” e outras retóricas do consumo personalizado.
Mais do que o humor, a chave de entrada para este universo se encontra na farsa. Em esquetes independentes, que se unem apenas no final, o roteiro apresenta atores interpretando uma família perfeita no cenário de um apartamento, donos de construtoras comprando apoio de políticos e juízes, operários fazendo sexo no local das obras durante a pausa, corretores de imóveis repetindo mantras de boas práticas de vendas. Inicialmente, estamos num ambiente de estranhamento, uma espécie de cinismo generalizado. Aos poucos, a história adentra o prazer da sordidez, explorando os rumos trágicos dos personagens e a corrupção do sistema, comemorada a taças de champanhe pelas altas esferas do poder.
O discurso é válido, sem dúvida, além de adquirir um valor simbólico por dialogar o coração político do país. A referência a políticos que pretendem facilitar o porte de armas também estabelece uma assustadora conexão com os tempos de hoje. No entanto, a crítica social se mostra um tanto óbvia: nada é mais clássico do que a representação maniqueísta do empresário ganancioso e desumano, diante dos trabalhadores inocentes e do político de sorrisos falsos. Este universo codificado corresponde à descrença geral na política enquanto evita investigar as causas da mesma, ou ainda propor alternativas de representação metafórica, poética ou estética. Em outras palavras, o roteiro explicita as falhas do sistema sem subvertê-las.
Ao mesmo tempo, a comicidade oscila em tom e alvo. Para cada cena sarcástica e grotesca (a briga do ator-patrão com a atriz-empregada), outras cenas dramáticas, com longos silêncios e tempos dilatados (a conversa entre Fábio e Augusto) são empregadas para atenuar o ritmo. O momento do político no carro, gravando seu vídeo de campanha, é digna de uma boa esquete televisiva, já a representação da mãe inerte que não cuida do bebê nem tem uma vida própria é atenuada ao limite do conformismo. O filme lança conflitos sem a intenção de resolvê-los, como no caso da morte do operário ou a crise moral do arquiteto. O conjunto teria potencial para uma ampla comédia política, para uma alegoria nonsense em estilo Brasil S/A ou para um drama, mas hesita em enveredar por qualquer um destes caminhos.
Assim, o resultado é prejudicado por sua indecisão. Ele parece ser fruto de muitos pontos de vista, muitas vontades condensadas num roteiro que foi provavelmente reescrito um número considerável de vezes. O maior risco para um filme que tenha a política como tema é não esclarecer seu próprio posicionamento político. No caso de New Life S.A., há indícios de uma crítica tímida, que ri de todos sem ofender ninguém, e que manifesta piedade pelos envolvidos nesta engrenagem, mas não enxerga possibilidade de vida fora dela.
Filme visto no 51º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em setembro de 2018.