Críticas AdoroCinema
4,0
Muito bom
Keyla

Crescer numa ilha

por Bruno Carmelo

A adolescente Keyla (Elsa Whitaker Sanchez) tem nacionalidade colombiana, mas nunca saiu da pequena ilha da Providência, onde nasceu. Este pequeno povoado de 17km2 de extensão representa toda a vida da garota, acostumada ao nado, à pesca, à floresta. O mundo ao redor constitui o perigo: seu pai acaba de desaparecer no mar, podendo estar perdido em qualquer lugar do Caribe, enquanto a ex-esposa dela, que cuidava de Keyla como uma mãe, abandonou a família e voltou à Espanha natal em busca de melhores condições de vida. A ilha funciona ao mesmo tempo como símbolo de liberdade e de prisão, de paraíso natural e de estagnação econômica e social.

A diretora Viviana Gómez Echeverry sabe explorar muito bem este espaço como metáfora da condição de sua personagem. É impressionante a naturalidade na descrição de traços culturais específicos no dia a dia da garota, incluindo a língua local, que mistura espanhol, inglês e dialetos, a música de influência reggae, a cultura rastafári, os pratos específicos, as cores, o trânsito de motocicletas pelas poucas ruas existentes. O local parece ao mesmo tempo cheio e vazio demais, ou talvez ele seja apenas cheio das mesmas pessoas: quando uma turista chega à ilha, o namorado de Keyla não perde tempo em seduzir a estrangeira. Enquanto isso, a protagonista de temperamento forte se questiona porque os adultos desaparecem simbolicamente (a fuga) ou concretamente (a possível morte em alto mar).

Keyla funciona como homenagem a um modo de vida muito específico, a pessoas que não se sentem representadas nem socialmente, nem politicamente - e muito menos nas artes. Exceto por um momento de viés turístico, quando os personagens visitam um festival local, os demais instantes trabalham a noção de invisibilidade como fator predominante na formação da psicologia e do caráter dessas pessoas. A natureza ao redor se revela tão bela quanto traiçoeira: ao mesmo tempo em que fornece os frutos da pesca, representa um risco de morte; ao mesmo tempo em que esconde tesouros (os habitantes falam de fortunas escondidas nas terras), corta os seus habitantes do resto do mundo. Echeverry filma estes instantes com senso agudo de observação e crônica, fazendo uso elegante e discreto dos ruídos, das vozes em off, de caranguejos atravessando a rodovia ou pássaros cruzando o céu.

O tom melodramático soaria excessivo se o projeto não contasse com uma atriz principal de gestos brutos, secos, de modo a atenuar o sentimentalismo. Elsa Whitaker Sanchez não traz uma construção muito técnica, opondo-se a Mercedes Salazar, no papel da ex-esposa espanhola. Esta sim ostenta gestos amplos e uma infinidade de nuances no olhar que vão da sedução ao carinho, passando por desprezo e incompreensão. Como a garota representa a pureza saída da infância, e a outra significa a malícia das grandes cidades, o contraste de atuações beneficia o filme. A relação carinhosa com o tio Richard (Felipe Cabeza) e com o meio-irmão Francisco (Sebástian Enciso) também ajuda a lembrar que esta é uma história de afetos, de novas configurações familiares forjadas na adversidade. O roteiro busca compreender o lado de cada um, sem julgá-los por suas atitudes presentes e passadas.

Por fim, a narrativa impressiona pelo modo como evita os principais clichês do melodrama - vide a conclusão inesperada em relação ao pai, ao namorado traidor e mesmo à caça ao tesouro. O filme faz de Keyla uma garota de opiniões fortes, que jamais se sujeita às ordenas masculinas nem se limita à posição em que se encontra. O projeto de baixo orçamento surpreende pela poesia cotidiana extraída das pessoas e dos espaços, ao invés das reviravoltas do roteiro. Echeverry é certamente uma diretora de talento, que merece ser observada com atenção em seus projetos futuros.

Filme visto no 13º Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo, em julho de 2018.