Retrato de exceção
por Bruno CarmeloKevyn Aucoin foi um gênio. Esta é basicamente a mensagem repetida por dezenas de celebridades neste documentário, ao longo de mais de 100 minutos. O maquiador demonstrava talento artístico desde criança, conquistou cargos importantes aos 21 anos de idade, tornou-se amigo de modelos e celebridades de Hollywood, escreveu livros, gerou tendências, criou efeitos inéditos com suas maquiagens. O projeto vende muito bem o pioneirismo de Aucoin, funcionando como resumo eficaz de suas proezas. No entanto, tem dificuldade em desvendar o homem por trás dos superlativos.
A diretora Tiffany Bartok não é afeita a investigações psicológicas nem teses próprias. Adotando a tendência dos documentários-Wikipédia, ela propõe uma lista fatos e reviravoltas principais. Este é um projeto essencialmente verbal, em terceira pessoa: “Ele dizia”, “ele falava”, “ele criou”, “ele conseguiu”, “ele inventou”, repetem os entrevistados. A cineasta pretende conferir credibilidade ao discurso por contar com personalidades do calibre de Cher, Kate Moss, Naomi Campbell e Brooke Shields, no entanto, deixa pouco espaço para o maquiador falar por si próprio. Existem poucas imagens do artista discorrendo suas dores, sua relação com a beleza e a fama.
Esteticamente, Bartok segue a cartilha mais acadêmica possível, espécie de mínimo necessário para demonstrar conhecimento da linguagem cinematográfica. As escolhas incluem linearidade no retrato que vai da infância à morte, alternância entre depoimentos e materiais de arquivo, música triste e de suspense quando se fala na dependência de remédios ou nas rupturas amorosas, letreiros explicando a função de cada pessoa em relação a Aucoin. Não há nada errado em seguir a cartilha dos talking heads, porém também não há nada particularmente instigante neste formato usado à exaustão por cineastas que privilegiam o conteúdo à forma. Além disso, sublinha-se a óbvia contradição de abordar uma figura subversiva de modo conservador.
Mais preocupado em destacar a carreira profissional do protagonista, o documentário passa rapidamente pelo suposto ativismo de Aucoin e por sua relação afetiva com namorados e familiares. Seria interessante conhecer mais das ambições do jovem garoto, de suas crises internas, da passagem de uma pessoa tímida a um jovem determinado, e depois a um maquiador exigente, com crises de estrelismo durante o trabalho. Todos os defeitos de Aucoin são desculpados por seu talento, num recurso habitual diante dos gênios, como se a arrogância e o autoritarismo fossem o preço a pagar por sua contribuição artística. Bartok revela-se condescendente com seu personagem, desculpando-o inclusive por exigir voos em primeira classe (afinal, ele era alto demais para voar em classe econômica).
É surpreendente que, em longos 103 minutos, a direção tenha tempo de incluir detalhes do tipo, mas jamais procure criar metáforas próprias e fazer investigações para além dos episódios narrados. A ideia é fornecer uma introdução à vida do maquiador, um “best of” com as passagens marcantes. Este é o caso em que o cinema documentário se confunde com o jornalismo ao acreditar que sua vocação é informar, ao invés de criar, sugerir, dar a sentir e refletir. Ao fim do filme, Kevyn Aucoin torna-se um caso de estudo, a exceção que confirma a regra sobre a dificuldade de se distinguir no mundo artístico. Sua subjetividade permanece oculta ao espectador.
Filme visto no 26º Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade, em novembro de 2018.