Clássico recauchutado
por Francisco RussoCertos temas são atemporais, não apenas no cinema mas na arte em geral. Há séculos a busca por um grande amor norteia autores de todo tipo, de Shakespeare e seu Romeu e Julieta a Emily Brontë com O Morro dos Ventos Uivantes. Diante de tanta abundância, a escritora Anna Todd sequer tenta ousar em After: a proposta aqui é reinventar a roda, adaptando uma história batida para os dias atuais ao mesmo tempo em que salpica referências aqui e ali, para dar sustância. E isto não é demérito algum, tamanha a honestidade transmitida ao espectador, por mais que comparações e semelhanças sejam inevitáveis.
A primeira delas, escancarada, é em relação a Cinquenta Tons de Cinza. Nem tanto pelo clima apimentado da saga sexual criada por E.L. James, mas pela concepção da protagonista feminina: Tessa Young - atenção ao sobrenome, não por acaso! - é a cópia exata de Anastasia Steele, seja pela ingenuidade comportamental, pelo figurino angelical ou mesmo pela virgindade purificada. Seu contraponto é Hardin Scott, cuja cartilha também segue à risca os estereótipos básicos: ar de rebelde, fugidio, uma beleza exótica a la James Dean, com uma pitada de devorador que ecoa em relação ao sexo. E é só.
Ao contrário do que o marketing apregoa, After passa longe das fantasias e fetiches sexuais da trilogia Cinquenta Tons de Cinza. É claro que o filme explora a sensualidade latente de dois jovens com os hormônios a flor da pele, cada vez mais enamorados, mas também com uma boa dose de puritanismo. A proposta aqui é recontar a clássica história dos diferentes que se apaixonam, ao ponto de um ensinar ao outro a arte de amar, enfrentando traumas do passado e barreiras do presente. Isto, é claro, pontuando olhares penetrantes e a química do casal, como reza a cartilha do subgênero.
Curiosamente, o mesmo puritanismo que After traz em relação ao casal protagonista não se espelha nas subtramas. Se o ambiente da faculdade é ressaltado pelo potencial pecaminoso, ao menos sob a ótica da mãe de Tessa, é nele também que o filme entrega seu lado mais liberal ao abordar a bissexualidade sem julgamento. É neste aspecto que a roteirista Susan McMartin tenta capturar o atual público jovem, ambientando uma trama batida numa realidade facilmente reconhecível, ao mesmo tempo em que combate conservadorismos arraigados. A história de amor entre Tessa e Hardin, "ousada" por si só, tem seus ecos também em quem os rodeia.
É claro que, para que tal proposta funcione, a capacidade do casal escolhido é crucial - e, neste ponto, há uma certa dicotomia. Se Josephine Langford apresenta desenvoltura ao compor uma Tessa que alterna entre momentos tão distintos, da quase clausura emocional à entrega absoluta, Hero Fiennes-Tiffin é de uma nulidade interpretativa impressionante. Se o casal tem seus bons momentos, muito é graças à direção de Jenny Gage nas sequências mais "picantes".
Absolutamente previsível, After enfrenta o sério problema da ausência de conflito apresentando muitas cenas de pegação entre seus dois atores principais, como se o tesão retratado compensasse a falta de história a ser desenvolvida - diante do material em mãos, a barriga na metade final é inevitável. A trilha sonora suave e repleta de canções pop românticas complementam o cenário, quase sempre solar para ressaltar a descoberta deste grande amor. No fim das contas, é exatamente isso que After propõe: converter para os dias atuais uma história antiga em torno de um amor exacerbado, se possível abrindo espaço para continuações. Exigir dele mais que isso é leviano, ainda mais para um filme que, de forma tão honesta, escancara o que pretende ser.