Críticas AdoroCinema
4,5
Ótimo
1917

A guerra em primeira pessoa

por Barbara Demerov

São muitos os filmes que abordam a guerra num panorama que abrange diversos horizontes e pontos de vista, dando prioridade a consequências impressionantes que podem acontecer no ar, na terra ou no mar. Mas há outro tipo de olhar em filmes do gênero – um olhar que não vê a necessidade de começar pelo grandioso para, só então, chegar a algo realmente particular dentro deste universo. Não que armas, uniformes, trincheiras, destruição e morte sejam características limitadas em 1917, mas todo e qualquer elemento é inserido em medidas mais ínfimas se comparadas com o nível de humanidade exposto na jornada dos cabos Will Schofield (George MacKay) e Blake (Dean-Charles Chapman).

O grande foco do diretor Sam Mendes é contar uma história sobre o homem e não sobre a guerra em si. Com tal abordagem, 1917 nos faz refletir sobre o que pode levá-lo mais adiante: a vontade de voltar para casa ou o senso de responsabilidade para com sua pátria. E, dessa forma, o diretor transforma seu filme numa jornada repleta de emoção e altos e baixos. É uma experiência definitivamente imersiva e muito intensa – e o fato de Mendes ter estabelecido uma narrativa no formato de um falso plano-sequência é o que amplia as sensações que o público receberá sem qualquer resistência.

Assim, 1917 transcende o gênero "guerra" para atingir um valor humanitário e altruísta dentro de sua linguagem cinematográfica. Seus dois protagonistas (com a atenção mais voltada a Schofield) são bastante verossímeis e garantem a atenção do espectador não só por serem dois jovens adultos no meio de uma batalha desoladora, mas também por serem jovens inseridos brutalmente numa experiência muito particular: eles estão descobrindo um novo mundo, se conhecendo melhor perante ações e pensamentos enquanto soldados e indivíduos, e também embarcando num terreno incerto, que cobra muito mais (em certas ocasiões, em questão de segundos) do que cada um pode assimilar.

Por acompanharmos toda a história através de seus olhos e sua inocência, tudo o que os dois jovens adultos sentem é elevado a máxima potência para nós, espectadores. A câmera que os segue pelas costas em locais abandonados é a mesma que registra momentos de tensão em silêncio ou de um leve respiro entre uma surpresa e outra. Há apenas um único respiro que soa afastado demais da veracidade exibida 99% do longa, ainda que esta seja uma pausa necessária para compor um personagem.

Aliado ao excelente trabalho de fotografia de Roger Deakins (que aqui se faz tão presente quanto o trabalho de direção, pois tudo o que está nos cenários conta a história por si só), Mendes garante pulso firme do início ao fim. Tanto diretor quanto diretor de fotografia alimentam a história com elementos que ora nos fazem ver resquícios de esperança, ora nos fazem sentir a dor da guerra como ela é. Cavalos e soldados mortos que servem de escudo ou esconderijo chocam-se com a beleza de folhas de uma cerejeira no rio.

São essas nuances que permeiam a obra e é exatamente isso o que a torna diferente de filmes épicos de guerra como O Resgate do Soldado Ryan e Apocalipse Now; neste caso, elas se aproximam de obras como Platoon e O Franco-Atirador, pois tais histórias também ganham traços dedicados a expor o que a guerra faz com o homem enquanto indivíduo, e não só como as guerras são capazes de movimentar o mundo por completo.

Dedicado a deixar o espetáculo em segundo plano (com exceção da sequência em que Schofield corre no meio da primeira linha de soldados em meio a um ataque iminente, que é de tirar o fôlego), Mendes insere toda sua atenção ao fato de que esta é uma história que se desenrola ao longo de apenas um dia. O cenário é desolador, mas nem por isso ele nos impacta somente pela tristeza. Graças ao olhar do diretor para com seus atores, há esperança na melancolia e na urgência pelo sucesso da missão. Acima de ser uma grande experiência cinematográfica, 1917 também é uma prova de humanidade – e de como cada pequeno passo, seja numa caminhada ou numa corrida desenfreada, importa.