Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
Um Animal Amarelo

Realidade e imaginação

por Barbara Demerov

Em resumo, o novo filme de Felipe Bragança é uma interessante viagem relacionada ao papel de um homem enquanto indivíduo, com sonhos particulares e intenções, e também enquanto brasileiro, pois a obra se baseia em uma concentração de memórias que ainda teimam em fazer parte da vida do protagonista. Mas essas memórias não são especificamente de Fernando (Higor Campagnaro), um cineasta.

A maior parte delas são provenientes de gerações passadas de sua família, o que abre espaço para o diretor brincar com metáforas visuais, símbolos e passagens de espaço e tempo que unem-se numa coisa só. Bragança é claro na mensagem que procura passar desde o princípio, clarificando o que é passado e o que é presente sem dificuldades. O que está no meio disso tudo, no entanto, é o que pode se destoar um pouco enquanto narrativa, uma vez que a história de Fernando não é só dele enquanto profissional, mas também é a representação de todo um país.

Um Animal Amarelo flerta com o realismo fantástico ao se apoiar à figura que dá vida ao título, mas ao mesmo tempo é capaz de manter-se firme ao chão; onde se encontram críticas à sociedade e acenos ao cenário político brasileiro. São elementos sutis que vão compondo a estrutura do filme, este dividido em capítulos que alternam épocas e personagens, mas nunca se desviam do principal foco. contar uma história dentro de uma história, revezando entre ficção e realidade numa metalinguagem que não encontra uma sobrecarga graças à sutileza da condução.

O grande e estranho animal amarelo é um dos diversos símbolos da história, estando conectado às raízes da escravidão brasileira - e, por consequência, à família do protagonista. As memórias do avô de Fernando abrem e fecham a história de formas diferentes, mas são o elo que mantém toda a estrutura firme; seja a ficcional como a técnica. Apesar de haver passagens que, como já dito, destoam de todo o resto em questão de ritmo e imersão, elas são importantes para demarcar ainda mais a história de Fernando no âmbito pessoal, que é tão importante quanto aquele passado o qual está aprendendo a lidar.

Um Animal Amarelo possui personagens diferenciados e horizontes multiculturais, tocando em pontos de reflexão acerca do Brasil e sua relação com países como Portugal e Moçambique - assim como os dois lados da corda, especialmente no lado do opressor. A adição de breves animações, assim como a presença do animal (um fantasma do passado e um guia para Fernando), dão o toque mais vivaz a uma triste história sobre fardos e marcas. O olhar de Bragança captura a realidade e a imaginação com cores tão vibrantes quanto melancólicas, resultando em um curioso balanço sobre nossas origens.

Filme visto no 48º Festival de Gramado, em setembro de 2020.