Críticas AdoroCinema
3,0
Legal
Meu Ano em Nova York

Leve e inofensivo

por Barbara Demerov

Quem já é familiarizado com a obra de J. D. Salinger inevitavelmente vai notar o clima bucólico que permeia a história de My Salinger Year do início ao fim. Mesmo quando os problemas existem, eles estão ali puramente para serem resolvidos sem muita dificuldade. É o tom otimista e confiante que dita este determinado tipo de coming of age da personagem Joanna (Margaret Qualley), quase sempre beirando algo mais profundo, mas contentando-se com a leveza dos sonhos e a preservação do otimismo.

O filme que abre a 70ª edição da Berlinale está longe de ser um filme problemático, mas ainda assim oscila bastante entre a vida real e aquela vida que apenas existe em livros. É uma mistura que cabe aqui - ainda mais se tratando de um dos autores mais conhecidos da literatura no século XX. Mas, para quem não conhece O Apanhador no Campo de Centeio, parte do brilho se esvai, pois a essência de My Salinger Year e a principal mensagem contida na história está ligada ao autor, que chegou a se isolar completamente de seus fãs e parou de escrever por décadas (ou, pelo menos, publicar seus livros).

Joanna é uma aspirante a poeta que passa a maior parte de seu tempo lendo o que os outros escrevem. Seja o manuscrito do namorado ou as cartas de fãs originalmente endereçadas à Salinger, a jovem aceita um emprego que vai na contra-mão do que mais almeja: atuando como assistente numa agência literária. O maior cliente de lá é o adorado e pouco visto Salinger, mas Joanna sequer leu seu maior sucesso. É como se a protagonista conhecesse um novo planeta dentro de um universo que já a faz se sentir em casa.

Porém, os acontecimentos (ou, pensando melhor, o postergar deles) se expandem de modo a dificultar o verdadeiro foco da história. Enquanto mensagem, há diversas opções: a dificuldade em encarar o novo, visto que a chefe de Joanna, Margaret (Sigourney Weaver), não aceita o uso de computadores mesmo já sendo 1995; a passagem por contrariedades a fim de encontrar a si mesmo; ou simplesmente a nostalgia de uma época que podemos nem ter presenciado, mas é tão vívida que é fácil se deixar enganar.

Há muito mais momentos de leveza (vide um que remete diretamente a La La Land) do que momentos de confronto ou indecisão. As boas performances da dupla principal, sobretudo de Weaver, sustentam a progressão de suas personagens, mas não seguram a indefinição do próprio roteiro ao não saber o que priorizar com atenção. Um dos personagens secundários, inclusive, sempre aparece na tela como se fosse um personagem de Salinger (Holden Caulfield, para ser mais exata) - e isso não é necessariamente um elogio quando notamos que, na verdade, o filme se aproxima aos poucos da simplicidade e ilusão que o protagonista de O Apanhador no Campo de Centeio tanto critica.

Ao invés de um mergulho na mente de personagens eficientes, temos um verdadeiro passeio à uma Nova York indo de encontro com a modernidade, uma visita a conflitos que transitam entre gerações e uma atmosfera que se aproxima de sonho e devaneios. Esta é uma combinação curiosa e, sobretudo, encantadora, pois traz à tona discussões pertinentes. Contudo, é exatamente esta escolha que impede My Salinger Year de atingir níveis poéticos e reflexivos mais profundos; características essas que preenchiam a obra do autor que está no título.

Filme visto no 70º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2020.