A História não pode ser enterrada
por Barbara DemerovQuando um documentário é feito com base histórica, ele naturalmente já carrega consigo certa relevância. No caso de O Desmonte do Monte (estreia de Sinai Sganzerla como diretora), é inegável que o estilo em que é contada a história do Morro do Castelo, local marcado pela fundação do Rio de Janeiro no século XVI, se sobressai juntamente com seu conteúdo - este descrito minuciosamente.
Com resultados abafados através das décadas, o Morro do Castelo foi o local escolhido pelos portugueses para sediar as primeiras moradias da sociedade e, posteriormente, foi destruído a fim de 'limpar' e atualizar a cidade. O documentário traça um panorama de centenas de anos de vida do Rio de Janeiro e utiliza, de forma exímia, a iconografia sobreposta à narração de Helena Ignez (mãe da diretora), Negro Leo e Marcos Alvisi. Tais narrações são feitas com tom melancólico e reflexivo, dando ênfase nas questões abordadas e abrindo o leque de interpretação para associar com desmontes que ainda acontecem nos dias atuais. tomando como exemplo a Vila Autódromo (RJ) por conta das Olimpíadas de 2016.
O extenso material de arquivo que é apresentado ao longo do documentário dá toda a profundidade necessária para ser possível o embarque a um passado que deveria ser mais notório e discutido. Além disso, a dinâmica da montagem com o material torna a experiência extremamente construtiva e esclarecedora. No entanto, a estrutura diferenciada sem muitas imagens em movimento, como se tudo fosse lenda, pode tornar ligeiramente cansativa a experiência para o público menos familiarizado com tal formato. No mais, tanto esclarecimento em tela faz valer o tempo de pesquisa: a diretora trabalhou por 5 anos para construir a linha narrativa de seu filme.
Somado a alguns depoimentos de ex-moradores do Morro do Castelo, Sinai Sganzerla dinamiza o extenso material que tem em mãos com narrações profundas, que abordam pontos como escravidão e a remoção dos índios de seu próprio espaço. O Brasil tem mais história do que se pode imaginar, e O Desmonte do Monte mais uma vez reforça tal afirmação com a entrega de um material rico da cultura deste país.
Filme visto em julho de 2018 na 1ª edição do Festival Internacional de Mulheres no Cinema.