Como nascem as guerras?
por Bruno CarmeloEsta mistura entre documentário e animação parte de um trauma familiar. A diretora Anja Kofmel perdeu o primo mais velho, Christian Würtenberg, um repórter de guerra assassinado na Croácia aos 26 anos de idade. Mas em que circunstâncias morreu? Munida de poucos materiais de arquivo, ela tenta refazer os passos do jornalista transformado em soldado durante a guerra da Iugoslávia. Quando não dispõe de dados, imagina-os através da animação. Assim, a frieza do material de arquivo é contrastada com o aspecto lúdico da ficção, transformando os crimes cometidos no campo de batalha em grandes sombras negras.
Uma primeira curiosidade diz respeito ao público-alvo deste projeto. A cineasta supõe estar dialogando com pessoas de pouquíssimo conhecimento sobre a história do século XX. Portanto, recorre a uma narração bastante didática, de tom lento e vaporoso, para descrever quando ocorreram a Primeira e a Segunda grandes guerras, quais países constituíram a Iugoslávia, em que circunstâncias se originaram os conflitos locais. A vertente pedagógica é a menos interessante do projeto, por resumir circunstâncias geopolíticas complexas em duas ou três linhas de explicação.
Outra surpresa diante de Chris, o Suíço se encontra no curioso balanço entre afeto e brutalidade. Por um lado, Kofmel busca honrar a história do primo, chegando a idealizá-lo como um repórter mais dedicado e ético do que os demais. A montagem se esforça para dissociá-lo do grupo de extrema-direita do qual participou, apesar dos fortes indícios de que Christian teria afinidades ideológicas com os paramilitares. Por outro lado, uma espécie de fetiche do real permite mostrar o cadáver mutilado do protagonista em duas longas cenas, com a câmera se atendo às feridas no rosto, ao torso retalhado, ao sexo exposto. Outros cadáveres são igualmente mostrados.
A diretora parece insistir que aquela guerra foi, de fato, cruel e seríssima, como se também não acreditasse na capacidade do espectador em deduzi-lo por conta própria, ou como se duvidasse da empatia de seu interlocutor. Às vezes, ela se mostra corajosa e boa investigadora, a exemplo da entrevista obtida com o assassino Carlos, o Chacal, que conhecia Chris. Em outros momentos, quando busca indícios da intervenção da Opus Dei nos eventos, acata o ponto de vista da primeira pessoa disposta a afirmar que tal interferência seria plausível. Kofmel se dá por satisfeita, e segue em frente. Existe um impasse na função que a cineasta atribui a si mesma, entre investigar os fatos a fundo ou se contentar com a reparação do trauma pessoal.
Os melhores momentos do filme aparecem quando o roteiro investiga as origens humanas de uma guerra. De que maneira a religião influencia na luta por um ideal? Como pessoas de convicção frágeis são cooptadas por grupos extremistas, em busca de reconhecimento? O que significa para um repórter de guerra estimar que seu trabalho não seria suficiente em uma batalha, precisando pegar em armas e partir para o confronto? Nos instantes de reflexão psicológica e sociológica, o resultado se sobressai, demonstrando uma ambição de análise ausente na estética e na narrativa.
No que diz respeito à animação, ela desempenha uma tarefa ilustrativa. Os traços simples servem para criar um distanciamento em relação aos fatos, em oposição ao aspecto imersivo do material de arquivo. Quando algum entrevistado descreve um tiroteio ou uma viagem de trem, a animação trata de concretizar essas lembranças narradas, submetendo-se ao som. Assim, não há grande inventividade neste uso redundante do audiovisual, ainda que a combinação entre o documentário e a animação produza atritos interessantes na linguagem. Chris, o Suíço se conclui como um projeto falho sobre a história de Christian em particular, ou como reflexão da guerra da Iugoslávia. No entanto, serve como bom ponto de partida para se compreender a psicologia de grupo aplicada aos conflitos geopolíticos.
Filme visto na 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro de 2018.