Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
A Costureira de Sonhos

Sonhar e fazer

por Barbara Demerov

Em um dos inúmeros momentos mais afetuosos no filme A Costureira de Sonhos, vemos a protagonista Ratna (Tillotama Shome) sendo chamada de "audaciosa". Após entender o que tal palavra significa, sua reação não chega a emanar tanta surpresa, pois é evidente que ela sabe que possui tal qualidade mesmo não entendendo a palavra de início. Dentro de um contexto social preconceituoso com classes muito divergentes na Índia (bem explícitas entre a vila em que Ratna nasceu e a cidade grande), a jovem realmente pode ser chamada de corajosa apenas pelo fato de fazer o que muitas pessoas à sua volta desistiram: sonhar.

O cenário conflitante em que Ratna se encontra é bem trabalhado através de seu emprego enquanto empregada de um engenheiro rico chamado Ashwin (Vivek Gomber). Boa parte do filme se passa dentro do apartamento do personagem, que, por sua vez, em nenhum momento trata a protagonista com falta de sensibilidade e respeito (como alguns colegas e até sua mãe o fazem). Porém, nem mesmo o melhor dos modos diminui o abismo de contraste entre as duas vidas. Enquanto Ratna se esforça para se afastar cada vez mais de uma sociedade arcaica que a trata como uma ninguém (inclusive por já ser viúva), Ashwin sofre com uma traição e também não se sente encaixado onde está, mas seu padrão de vida o impossibilita de sentir isso de uma forma mais dura. Ratna, em seu pequeno quarto e longe da irmã, por quem nutre mais carinho, está longe do padrão que almeja física e mentalmente.

Mesmo abordando com bastante atenção a dificuldade de uma mulher tentando se adaptar em meio a uma sociedade machista e patriarcal, ainda mais em um país como a Índia, o filme dirigido por Rohena Gera não deixa de ser colorido e, principalmente, positivo. É justamente pelo sonho de Ratna em se tornar uma estilista que a história ganha mais uma camada para além da social; destacando que, não importa quais diferenças existam aos olhos da sociedade, a força de vontade de um indivíduo é capaz de abrir caminhos antes tidos como impossíveis. Ratna procura conciliar sua paixão com seu emprego, e a presença de Ashwin acaba auxiliando neste processo de autoconhecimento da protagonista.

A relação de Ratna com Ashwin é construída aos poucos, com calma e naturalidade, em cada passagem de câmera pelos corredores do apartamento e em cada refeição servida. As interações da dupla vão aumentando por mais que a timidez de ambos ainda se mantenha bem presente até o fim. Com uma mescla equilibrada entre momentos dramáticos com alguns mais leves, é inevitável ver o carinho que Ashwin passa a nutrir por Ratna - e o receio que vai dando lugar à determinação no lado da jovem. Sua paixão por costura vai lhe ajudando a enxergar o mundo de forma mais leve, e até mesmo auxilia Ashwin a ver novas perspectivas sobre sua própria vida com relação a trabalho e antigas paixões que foram engavetadas.

O desfecho de A Costureira de Sonhos não é sentimental ou romântico demais. Na verdade, é muito condizente com o restante da história, que é pé no chão ao mesmo tempo que nos transporta para uma história de amor sincera em que o casal sabe de todos os riscos existentes. O filme poderia facilmente cair num estilo melodramático ou fantasioso demais, mas nas mãos de uma diretora e através do olhar de uma jovem determinada isso felizmente não acontece. Se o título em inglês, "Sir", representa o peso da palavra que Ratna tanto repete para chamar seu empregador (mas que depois aprende a se libertar), em português ele sinaliza algo a mais: uma pureza que também faz parte da cativante protagonista. Ambos os títulos fazem jus à boa energia que essa história emana.