"O que será dos que virão?"
por Rodrigo TorresDe sua pequena nascente no município de Areias, na Serra da Bocaina, até desaguar na findável aldeia de Atafona, em São João da Barra, o Paraíba do Sul é um rio repleto de histórias. Das mais belas a um presságio fatalista. A produtora Juliana de Carvalho aposta nessa premissa ao idealizar Caminho do Mar — encontrando no diretor e roteirista Bebeto Abrantes um realizador com afinco pela proposta, mas sem jamais ousar para além dela ou do formato documental tradicional.
Bebeto Abrantes define Caminho do Mar como um fluvial movie, e se mantém fiel ao seu fino conceito. Se em um road movie, entre o ponto de partida e o destino final, o percurso espacial segue em paralelo e até ilustra as transformações particulares dos personagens, seu fluvial movie narra a diversidade e as mudanças do Paraíba do Sul desde seu manancial no Paraitinga. Pelas histórias de quem vive dele. Pelas histórias de sua geografia complexa, deteriorada pelo homem e pela natureza. E pela História estrita, que contempla toda a sua história.
Areeiros, pescadores e até mesmo escultores versam sobre suas vidas e intimidade com o Paraíba do Sul, comprovada pela propriedade com que analisam suas transformações — em geral, para pior. Isto por conta da importância do rio na economia dos três estados mais industrializados do país, o que denota a exploração predatória do homem de tudo que usa. "O que será dos que virão?", se questionam os trabalhadores, preocupados com os efeitos da cidade sobre a natureza. Mais objetivamente, preocupados com o futuro do leito que já não é a fonte de sustento de outrora.
A frase em destaque comunica a urgência do documentário, e também ilustra um pecado de Caminho do Mar. Muito embora não paire dúvidas sobre os relatos dos personagens que lamentam a degradação do rio, seus testemunhos carecem de ritmo e força narrativa para evocar o afeto deles (mesmo dos homens mais humildes e dependentes) pelo Paraíba do Sul — como o longa-metragem demonstra ansiar, desde o argumento. E essa carência sublinha um contorno institucional excessivo, limitante de seu potencial. Com melhor articulação de forma e conteúdo, mais criativa, Caminho do Mar poderia ser mais bem-sucedido em sua proposta: comover o espectador informando-o sobre a riqueza histórica, social e cultural do Paraíba do Sul.
Apesar disto, a equipe de Caminho do Mar demonstra habilidade técnica em muitos aspectos. De closes e composições simétricas às primeiras imagens, aéreas e em ângulo zenital revelando um encontro de águas em tons (emblematicamente) verde e amarelo, Andrés Boero Madrid faz belos registros fotográficos. Pedro Saldanha e Waldir Xavier realizam um bom trabalho de som, atmosférico. E o próprio Bebeto Abrantes alterna com sensibilidade os relatos orgulhosos de descendentes de barões de café e cana com o reconhecimento deles próprios sobre a importância do escravo na monocultura agrária brasileira no passado.
Em seu favor, o diretor e roteirista mostra que seu empenho por um mosaico informativo e "um chamado urgente" a respeito desse valioso patrimônio é indiscutivelmente relevante. Se pesa o fato de não ter uma ambição artística mais acentuada, é porque não faltam pares do gênero documental no cinema brasileiro (vide o recente Híbridos, os Espíritos do Brasil) que alia predicados variados e são, assim, mais completos. E, por curiosidade, vale lembrar que a grande inspiração do título Caminho do Mar é uma obra-prima com o poder de transformar versos poéticos em sons, imagens, sensações e evocar toda a cadência de um curso fluvial: o poema "O Rio", de João Cabral de Melo Neto.