Críticas AdoroCinema
3,0
Legal
Torre - Um Dia Brilhante

A sugestão da loucura

por Bruno Carmelo

Este filme se abre como uma típica produção de terror. Um plano aéreo revela o carro de uma família percorrendo uma floresta assustadora, ao som de ruídos macabros. A chegada dos adultos na casa é retratada por dois pontos de vista diferentes, em cenas consecutivas. A câmera treme nervosamente de um rosto ao outro, a montagem interrompe as imagens no meio da ação. Os personagens estão tensos, efetuando gestos bruscos sem que o espectador saiba muito bem o porquê. Torre. Um Dia Brilhante começa com a promessa de uma tragédia, ou talvez uma explosão.

A jovem diretora Jagoda Szelc oculta os confrontos durante cerca de 90 minutos, substituindo a catarse pela insinuação perpétua de que algo muito grave está prestes a acontecer. Sabemos apenas que Mula (Anna Krotoska) recebe em sua casa a irmã Kaja (Małgorzata Szczerbowska), que abandonou a filha recém-nascida seis anos atrás. Hoje, a garotinha sequer sabe que sua mãe de criação é, na verdade, a tia, e Mula teme a descoberta. Somado à noção de distúrbios psicológicos afetando tanto a irmã distante quanto a mãe idosa, o roteiro planta elementos suficientes para se acreditar numa disputa sangrenta pela menina devido à irrupção súbita da loucura.

O filme se delicia com o jogo entre o real e a ilusão, a verdade e a mentira. A cineasta insere diversas cenas deslocadas na narrativa, representando possíveis delírios de uma ou outra personagem – o ponto de vista onisciente permite alternar entre um olhar e outro sem conhecermos ninguém intimamente. Os instantes em que Kaja desfere um golpe na câmera, Mula engole a mão da irmã e um imigrante perigoso aparece nas redondezas servem a alimentar a sensação de paranoia, do perigo vindo de qualquer direção. Embora Kaja seja a personagem mentalmente desequilibrada, começamos a suspeitar da sanidade de Mula, sempre tão explosiva perto da irmã que, apesar do histórico, não efetua nenhuma ação violenta. Todos podem estar delirando neste contexto – inclusive o espectador.

Embora a construção do clima e a abstração dos sentidos sejam bem construídas, elas impedem a narrativa de adotar qualquer caminho preciso. Torre. Um Dia Brilhante contenta-se com a busca pelo estranhamento a qualquer preço, a ponto de incluir ornamentos vaidosos como a legenda “Baseado em fatos futuros” no início, os ruídos altíssimos para perturbar, além de uma infinidade de recursos narrativos retóricos (o sumiço do cachorro, o lixo espalhado na grama). Rumo à conclusão, ao invés de amarrar seus fios soltos, o filme abre novos caminhos, indica mais possibilidades, investe em outros personagens. O foco é tão amplo quanto disperso: Mula, Kaja, a pequena Nina e os homens ao redor transformam-se em peças de um jogo divertido para a diretora, mas um tanto inócuo para o espectador.

Por fim, destaca-se a ambição por uma autoria agressiva, do tipo que utiliza a linguagem cinematográfica de modo extravagante, chamando muita atenção a si mesma. Há ecos de Lars von Trier nessa estética herdeira do Dogma dinamarquês – a cena final, aliás, dialoga com Anticristo -, existe um teor próximo de Hereditário na sugestão da loucura atravessando gerações de mulheres da mesma família, e explora-se algo próximo de Polanski na reclusão sexual feminina (algo que remete a Repulsa ao Sexo e A Faca na Água, pela suspensão da catarse). Szelc bebe em fontes ambiciosas, porém na maior parte do tempo apenas incomoda o espectador com a câmera excessivamente tremida, os personagens que não se desenvolvem e a certeza de que tantas insinuações limitam-se apenas a isso: sugestões não concretizadas.