A frágil agente secreta
por Bruno CarmeloVocê já viu esse filme antes: dentro de um quarto de hotel, membros de algum serviço de inteligência europeu ou americano discutem a melhor maneira de capturar um mafioso de grande poder, com ligação a terroristas russos/norte-coreanos/árabes/persas em possessão de algum mecanismo com potencial de destruição do planeta. Um agente secreto extremamente capacitado recebe a tarefa de se aproximar do inimigo, adquirir a confiança dele e passar informações valiosas à sede da empresa. Em última instância, cabe à pessoa escolhida a preservação da paz mundial.
The Operative é mais um desses filmes – com algumas diferenças discretas, porém significativas. Primeiro, a agente Rachel (Diane Kruger), escolhida para a missão, não demonstra qualquer habilidade especial na arte da manipulação ou no manuseio de armas. Ela enfrenta a tarefa com a cara surpresa e o fôlego curto de quem está encarando uma situação do tipo pela primeira vez – o que desperta dúvidas sobre a sua escolha. Segundo, nunca descobrimos o objetivo exato da missão. Enquanto produções do tipo dedicam tempo considerável ao passo-a-passo do plano global, Rachel recebe suas pequenas tarefas a conta-gotas, sem sabermos o que lhe falta para cumprir o prometido.
Terceiro, a estética nos prepara para uma aventura de ação que nunca chega. Pela música orquestrada desde a primeira cena, pela quantidade de homens gritando nomes de desconhecidos poderosíssimos e cada vez mais próximos, esperamos que eventualmente cheguem os tiros, as explosões, os confrontos. Ora, permanecemos no terreno da sugestão, ou da história contada em terceira pessoa – os personagens precisam falar uns aos outros o que os tipos perigosos estão fazendo, porque não os vemos em imagem. Se a ideia era trabalhar com a frustração dos clichês (uma intenção perfeitamente válida, diga-se de passagem), porque simular a aparência de A Identidade Bourne ou dos thrillers adaptados de John Le Carré?
Além disso, Rachel logo se encanta pelo inimigo e mantém um relacionamento amoroso com o alvo iraniano (Cas Anvar). Este recurso poderia ser usado de modo a empoderar a personagem – ela tem o direito de sair com quem quiser, sem que a empresa determine seus relacionamentos -, mas serve de fato a domesticá-la, a torna-la mais frágil diante do conflito entre corresponder às ordens vindas da Europa ou proteger o amante rico. Retratar uma mulher como pessoa incapaz de separar amor do trabalho, porque se apaixona fácil demais, não soa nada contemporâneo, além de parecer um mea culpa simbólico para a maneira como os persas são retratados nestes filmes (eles também podem ser pessoas apaixonantes, afinal).
Dentro da sala de cinema, a conclusão de The Operative deixou o público surpreso. Então o filme iria acabar ali mesmo? Algumas pessoas sequer se levantavam da poltrona, esperando alguma cena pós-crédito. O filme termina sem um final satisfatório, nem mesmo uma conclusão aberta. Ele poderia ser o piloto de uma nova série. No elenco, Martin Freeman demonstra uma atuação louvável, embora Diane Kruger já tenha vivido dias melhores. Os amantes da espionagem a qualquer preço, capazes de valorizar a intriga como finalidade em si, sairão satisfeitos da sessão. Afinal, estão presentes o entra e sai de personagens, as mudanças de última hora no plano perigoso, os personagens de lealdade duvidosa. Mas para quem dedicar uma atenção um pouco mais profunda ao cenário geopolítico e à construção de personagens, descobrirá uma obra aquém de suas semelhantes.
Filme visto no 69º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2019.