Lutar como uma garota
por Taiani Mendes¡Las Sandinistas! dedica-se a contar a história das nicaraguenses que fizeram da Frente Sandinista de Liberación Nacional a guerrilha mais feminina já vista. Criada dez anos antes, a FSLN cresceu enormemente na década seguinte, reunindo cada vez mais mulheres dispostas a entrar na luta armada para libertar o país da ditadura do clã Somoza. Dirigido por Jenny Murray, o documentário apresenta esses fatos, investiga as razões e revela que nem tudo era igualitário como parecia, promovendo uma justa homenagem às guerreiras e duras críticas aos esquerdomachos e à intromissão dos Estados Unidos na política do país da América Central.
Símbolo feminino mais forte da Revolução Sandinista, Dora Maria era uma jovem com menos de 25 anos quando teve participação decisiva na ocupação da sede do Congresso Nacional e comandou a tomada de León, primeira cidade controlada pelos rebeldes. Extremamente inteligente e carregando certa aura misteriosa nos dias atuais, ela é a protagonista da narrativa, afinal é a rockstar da guerrilha nas imagens de arquivos e uma das mais injustiçadas do período do grupo na liderança do país. "Comandante Dos", presente até nos escritos de Gabriel García Marquez, ela possui trajetória comum a várias outras companheiras e ainda hoje é atuante na política, sendo a representante perfeita tanto para a retrospectiva, quanto para a conexão com o momento atual que a cineasta persegue.
O formato de ¡Las Sandinistas! não é nada especial, usando o esquema de entrevista mais imagens de arquivo que, se não empolga, tampouco atrapalha, e geralmente funciona em documentários históricos que prezam pelo didatismo, como é o caso. O que instiga no filme, de fato, é o trabalho de Jenny pela valorização dos feitos dessas mulheres, combatendo o apagamento nacional e o desconhecimento internacional com um olhar admirador e reflexivo, tão determinado a oferecer a deferência que elas às vezes não tiveram que no último ato a diretora parece totalmente submetida aos interesses específicos de algumas.
Bons depoimentos, trilha agitada e registros amadores e jornalísticos dos anos 1970 constroem um longa-metragem pulsante, em que detalhes da luta sandinista são apresentados de variados pontos de vista femininos (há apenas um entrevistado), o que não quer dizer que as questões sejam exclusivamente de gênero. Se fala em sacrifício familiar, assédio sexual, machismo, objetificação e até sobre como lidar com a menstruação atuando na clandestinidade nas montanhas; e igualmente em conflito de classe, desigualdade social, mobilização popular, novas estratégias de transformação nacional e imperialismo.
Ainda é comum que os defeitos dos inimigos sejam realçados e os dos aliados minimizados e ignorados, mas ao menos aqui o tempo do "passar pano" ficou no passado, pois ¡Las Sandinistas! relembra a importância vital das nicaraguenses sem medo de realçar como elas foram menosprezadas pelos "cabeças" da FSLN (que sempre teve diretório exclusivamente masculino). Como afirma Dora: "Se não liberta a mulher, não é revolução".
Filme visto na 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro de 2018.