Críticas AdoroCinema
2,5
Regular
Donbass

O aspecto grotesco da guerra

por Bruno Carmelo

No extremo leste da Ucrânia, próximo à fronteira com a Rússia, encontra-se a bacia hidrográfica de Donbass. O lugar ganhou os holofotes internacionais devido à guerra entre correntes pró-Ucrânia e pró anexação russa, além de motivar os projetos da Nova Rússia, uma confederação independente que englobaria este território ucraniano de maioria étnica e linguística russa. Para retratar um cenário sociopolítico tão delicado, o cineasta russo-ucraniano Sergei Loznitsa optou por um formato inesperado: a comédia do absurdo, em esquetes.

Ao longo de duas horas, uma dúzia de cenas apresentam personagens, cenários e conteúdos diferentes. Mesmo assim, as histórias sobre a região se conectam pelo tom absurdo, que frequentemente irrompe na violência extrema, incluindo cenas desconcertantes de tortura em plano-sequência. A cada momento-choque, outros de comicidade física temperam o molho indigesto. O filme propõe um humor do desconforto, um curto-circuito entre leveza e peso, inconsequência e seriedade. Após a grosseira cena do casamento popular, torna-se ainda mais incômodo assistir a um ucraniano amarrado num poste e agredido por dezenas de pessoas, ou todos os personagens de uma esquete serem explodidos por uma mina terrestre.

Não existe grande empatia por esta galeria de políticos corruptos, militares truculentos, policiais ineficazes, religiosos aproveitadores e atores contratados para interpretar manifestantes. Loznitsa troca o pessimismo sombrio de Minha FelicidadeNa Neblina pelo pessimismo sarcástico, que não poupa ninguém. Ambos os lados são ridicularizados, numa proposta que inicialmente soa como um afiado discurso político, embora desconstrua mais do que realmente construa. Em outras palavras, um posicionamento de quem sabe exatamente o que não quer, mas não saberia dizer o que poderia substituir esta degradação de instituições e indivíduos.

Embora as cenas iniciais perturbem pelo teor agressivo, o apelo se atenua gradativamente. Isso ocorre porque as histórias são semelhantes, equivalentes, terminando por soar intercambiáveis. Talvez o momento da bomba pudesse vir mais cedo ou mais tarde na narrativa, ou cenas suplementares de tortura pudessem ser introduzidas sem que a narrativa perdesse a essência do discurso. Atinge-se uma incômoda sensação de aleatoriedade no que diz respeito ao tempo, espaço e discurso. Após repetir ferramentas cômicas e políticas, o efeito produzido é a anestesia – algo que seria interessante, caso fosse criticada como representação da apatia diante das guerras, mas jamais é proposta enquanto tal.

Donbass se conclui com um gosto meio amargo. Comédia de choque que choca apenas em partes, discurso politizado acusativo ao invés de propositivo, crônica da corrupção e da violência cotidianas que não ultrapassa o estágio da constatação. Loznitsa é um excelente observador, capaz de encontrar enquadramentos belos, inesperados e funcionais ao mesmo tempo – vide a cena final –, além de filmar grandes grupos de personagem como ninguém. Mas neste caso, a ousadia gira em falso, anuncia-se com um alarde que não se concretiza plenamente. Além disso, soa hermética para o público não eslavo em virtude da especificidade das referências históricas e políticas.

Filme visto no 71º Festival Internacional de Cannes, em maio de 2018.