Críticas AdoroCinema
2,5
Regular
Tinta Bruta

Maior abandonado

por Bruno Carmelo

Pedro (Shico Menegat) atravessa um momento difícil em sua vida. O jovem órfão perdeu o contato com os poucos amigos após um incidente na faculdade. Sua irmã está deixando a casa, onde moravam juntos, para viver em outro Estado. Os seguidores de suas performances eróticas na Internet – a única fonte de renda – estão diminuindo. Pedro não tem mais ninguém com quem contar, e não vê motivos para sair de casa.

Este é o protagonista de Tinta Bruta, drama dirigido por Márcio Reolon e Filipe Matzembacher. A dupla já havia trabalhado com a melancolia de jovens gays em Beira-Mar (2015), e agora repete a dose com uma figura ainda mais hermética. Pedro não tem desejos, vontades, gostos. Ele encara as danças com tinta neon, via webcam, com grande seriedade, porém não demonstra interesse em nenhuma atividade, nem faz planos para o futuro. As minúsculas interações com outras pessoas ocorrem por iniciativa destas, ou por necessidade prática – o protagonista vai atrás de Leo (Bruno Fernandes) apenas para descobrir quem está imitando o seu trabalho com as tintas.

Por um lado, o projeto sabe trabalhar bem a sensação de abandono típica da pós-modernidade, e acentuada pelas redes sociais. Pedro possui admiradores na Internet, mostra seu corpo sem pudores, porém quando desliga o computador, encontra-se sozinho e sem afeto. O fenômeno da “multidão solitária” é ilustrado nas cenas da inadequação do protagonista na festa, ou quando percebe que seu único talento – a apresentação nu – talvez seja mais bem desempenhado pelo amante e rival, Léo, dançarino com mais desenvoltura em frente às câmeras. As imagens são tristes, silenciosas, e a atuação de Menegat é esvaziada. Valter Hugo Mãe, escritor especializado em retratos carinhosos de solitários, diria que “por dentro de Pedro, Pedro caía”.

Por outro lado, a insistência no desconforto gera certas artificialidades, especialmente no que diz respeito aos diálogos. Algumas trocas são explicativas (o colega de trabalho da irmã, que aparece na cozinha para explicar ao espectador que aquela é uma festa de despedida), outras soam improváveis (“Você tem alguém que te faz brilhar como essas tintas?”), ou ainda escritas demais, estranhas ao registro oral. Em termos de ritmo, as falas são cuidadosamente pausadas, como se cada ponto final do roteiro implicasse dois segundos de silêncio antes da fala seguinte. Ninguém gagueja, busca as palavras, erra, atropela a vez do outro. Os diálogos são evocados, declamados.

Ocasionalmente, a inércia de Pedro é interrompida por lembranças de um episódio violento ou por agressões sofridas nas ruas – o garoto tem razão de não sair de casa, afinal, o espaço urbano soa realmente assustador. É estranho que ele não possa contar com o afeto da irmã, de quem era tão próximo. Por que eles não trocam uma única palavra depois que ela vai embora? Por que o garoto não recorre à avó, que parece conhecer tão bem os seus problemas e se mostra tão compreensiva? Tinta Bruta  intensifica a incomunicabilidade para além das circunstâncias narrativas. Mesmo uma importante despedida é negada a Pedro. Resta ao protagonista improvisar uma dança que nunca soube fazer, com tintas transpirando dos poros. É uma bela solução poética, porém discreta como forma de escapismo a um personagem tão negligenciado.

Filme visto no 68º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2018.