Morrendo pela boca
por Taiani MendesLendário cineasta político argentino, atualmente conciliando a carreira cinematográfica com o mandato de senador, Fernando "Pino" Solanas já passou dos 80 anos, mas demonstra fôlego de garoto para tentar mudar o mundo em seu novo longa-metragem, Viaje a los Pueblos Fumigados. O título é autoexplicativo: o cineasta pega a estrada para investigar as causas e consequências do uso imoderado de produtos químicos na agricultura e pecuária.
Filmado num digital ultrapassado, afinal é um projeto de muitos anos, e sem finalização que busque "embelezá-lo", o documentário passa urgência tanto em formato quanto em conteúdo, concentrando histórico, diagnóstico catastrófico e sugestões de mudança. Estamos comendo, respirando e nos afundando em veneno e não há mais tempo a perder. Glifosato, soja e Monsanto são os termos recordistas de menções no longa, que constrói seu discurso a partir de contatos com moradores de áreas rurais, especialistas, médicos, antigos funcionários do governo, produtores e estudiosos do assunto. Colocando-se como o espectador em busca de informações, Solanas faz perguntas, exames e visitas, percorrendo sete províncias argentinas na jornada, apresentada em dez didáticos capítulos. É fundamental ouvir os relatos e também ver para crer (e lamentar) a dominação da soja nos campos, imagem do suposto progresso que levou a agricultura a se transformar em agronegócio.
O agrotóxico é comparado ao tabaco - pelo lobby, enganação, aceitação e amplo incentivo - e não há qualquer direito de resposta oferecido à indústria milionária. Contra fatos não existem argumentos falaciosos preparados com muito esmero por equipes de marketing e à Solanas o que importa é denunciar como a ciência hoje está à serviço do mercado, não da sociedade, que se mata comendo até os alimentos aparentemente mais saudáveis. Para conclamar a união em torno de um projeto que salve a saúde do povo argentino, o cineasta eventualmente pesa a mão no retrato da miséria de etnias indígenas e se estende no reforço de pontos que desde a primeira meia hora já estão bastante claros, preso justamente numa monocultura crítica, sendo que o agro nada pop provoca inúmeros problemas.
Viaje a los Pueblos Fumigados carrega as qualidades e os defeitos do desespero em seu grito pela mudança, sendo um filme realizado na medida para levar o espectador a sair da sessão mais consciente e atento, pronto para agir. Militância se faz assim e um mestre sabe como ninguém.
Filme visto na 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro de 2018.