Códigos femininos
por Francisco RussoNos últimos anos, muito se tem dito sobre a necessidade de haver mais mulheres na direção. Acima de qualquer acusação de mimimi ou cota, uma maior representação feminina serve não só para evitar distorções do mercado atual, onde homens são chamados para rodar filmes de temática do sexo oposto, mas também para possibilitar um maior entendimento sobre o universo das mulheres. IMO, primeiro longa-metragem dirigido por Bruna Schelb Correa, é um exemplo claro desta filosofia.
Em segmentos estrelados por três mulheres - uma delas trans, a MC Xuxu -, a diretora conduz com firmeza e habilidade um interessante jogo de códigos, tanto estéticos quanto narrativos, cujos contornos simbólicos estão diretamente ligados à relação entre homens e mulheres. Sem qualquer diálogo, IMO inicia cada uma de suas historietas a partir de enquadramentos do cotidiano, com uma câmera estática que busca um local ou objeto onde se firmar. Há no filme uma recusa pré-determinada em estabelecer qualquer diálogo que não seja o visual, o que fica ainda mais explícito a partir do momento em que a primeira personagem atende ao telefone - o dito é incompreensível, no melhor estilo da professora de Charlie Brown.
Em meio à tamanha rigidez estética, IMO desvenda aquele que talvez seja seu maior trunfo: o uso do cinema fantástico, flertando com o humor negro, sempre de forma inusitada. A quebra de expectativa entre tamanha formalidade e os rumos surrealistas da história provocam um certo fascínio, tanto no primeiro quanto no segundo segmento, justamente por não se saber qual caminho seguir. Por mais que tal sensação seja diminuída no terceiro episódio, tal perda é compensada por alegorias ainda mais escancaradas, que ressaltam o abuso das mulheres pelos homens - no caso em questão, tanto no sentido depreciativo quanto no sexual.
Provocador e instigante, tanto pelos rumos da história como pela forma como é retratada, IMO apresenta ao espectador um código próprio que, por si só, já merece atenção. O som tem grande importância na condução da narrativa, não só pela ausência de diálogos mas também para estabelecer um ritmo em cada história. Entretanto, o que mais chama a atenção é o fato de um filme tão conceitual e tão ousado, na forma e no conteúdo, ser apenas a estreia da diretora em longas-metragens. Pelo que se pôde ver aqui, vale ficar de olho no que Bruna e sua equipe produzirão daqui para frente.
Filme visto na 21º Mostra de Tiradentes, em janeiro de 2018.