Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
O Tradutor

Laços

por Francisco Russo

O Tradutor possui tantas facetas que é difícil, de imediato, reduzi-lo ao subgênero do drama histórico. A começar por ser esta uma história de família contada pelos irmãos Rodrigo e Sebastian Barriuso, diretores do longa-metragem, o que automaticamente lhe traz um certo carinho (e também condescendência) em relação aos personagens principais, ninguém menos que seus pais. Soma-se a isto o contexto geopolítico da época, momentos antes da queda do muro de Berlim, refletido não apenas na aliança entre Cuba e União Soviética mas, especialmente, no quanto tal parceria refletia no cotidiano de uma família de classe média. A fartura no supermercado, tão surpreendente diante do tanto que se ouve acerca das restrições do país, é também sintomática: os Barriuso desejam não só contar uma história pessoal, mas também do país que os criou - o que, inevitavelmente, traz uma amplitude maior ao filme.

É neste contexto que conhecemos Malin, um sisudo professor de literatura russa que, certo dia, tem as aulas interrompidas para assumir uma nova função: tradutor de crianças enviadas à ilha de Fidel para se tratar das consequências do desastre nuclear de Chernobyl. Tal mudança não lhe agrada nem um pouco e ele faz questão de ressaltar isto a todo instante, seja verbalmente ou mesmo pela postura corporal. Esta, por sinal, é uma sutileza tratada com especial atenção por Rodrigo Santoro, intérprete do personagem, que teve ainda que passar pela difícil tarefa de pronunciar o idioma russo de forma que soasse convincente, ao menos para o leigo. Funciona.

Por mais que o desafio linguístico seja onipresente, o trabalho de Santoro ganha brilho pela condução emocional de seu personagem no decorrer da narrativa. Distante em casa com esposa e filho, ele aos poucos troca a revolta pela ternura ao pensar menos em si e mais nas crianças com as quais convive, no sentido de dá-las breves momentos lúdicos. Paradoxalmente, tal transformação traz a Malin um peso extra: a consciência de não ser possível fazer o suficiente e a dor de não ter o que fazer diante dos fatos.

Se tal conjuntura é um prato cheio para um dramalhão bem carregado, daqueles que exploram sem dó nem piedade o sofrimento de crianças enfermas, os Barriuso usam seus coadjuvantes com um certo equilíbrio, impactando pela imagem mas fugindo do exagero emocional. Estruturalmente, tal jornada conta ainda com o auxílio luxuoso do silêncio, bem dosado pelos diretores de forma a trazer uma certa solenidade e respeito à situação clínica. Mais uma vez, funciona.

No fim das contas, O Tradutor é um filme de devoção, onde a sensibilidade é transmitida muito a partir da atuação de Santoro. Entretanto, ao abraçar vários outros aspectos de sua infância, os diretores por vezes não dão a devida importância a subtramas relevantes, como o relacionamento familiar de Malin - não por acaso, as cartelas com legendas precisam detalhar o que o filme dramaturgicamente evita, talvez por questões sentimentais. Ainda assim, trata-se de um filme bem interessante que, além de uma história sensível, ainda oferece um breve vislumbre do auge e da decadência súbita da economia cubana, tanto no aspecto histórico quanto no sociológico.