O novo Frankenstein
por Bruno CarmeloMalgorzata Szumowska tem um humor muito particular. Seu último filme, Body (2015) começava com um homem morto por enforcamento, que depois descia da corda e voltava para casa. Mug se inicia com um procedimento semelhante, tanto pelo tratamento do corpo quanto pela sátira corrosiva às convenções. Um supermercado realiza uma oferta 70% de desconto nos televisores, contanto que o cliente entre apenas com as roupas íntimas. O tradicional horror do empurra-empurra das promoções populares é intensificado pelos corpos seminus, em câmera lenta, brigando pelas caixas gigantescas.
O circo de incivilidade se prolonga na trama sobre Jacek (Mateusz Kosciukiewicz), um caipira pouco inteligente que sofre um acidente no trabalho e tem o rosto desfigurado. Ao receber o primeiro transplante de rosto na Europa, ele se transforma por um lado em uma celebridade local, por outro lado num monstro. O rapaz acostumado a uma vida banal tenta se inserir rapidamente na sociedade após o acidente, mas encontra dificuldades: as pessoas não o reconhecem, sua fala está comprometida. De repente, ele se tornou escravo da aparência, deste rosto estranho e cheio de cicatrizes que não lhe pertence.
Como em muitas histórias de monstros, este projeto revela que a monstruosidade, de fato, se encontra nas pessoas ao redor. A diretora não mede esforços para mostrar como os poloneses do vilarejo podem ser cruéis: se eles pareciam apenas racistas e ignorantes no princípio, depois se revelam perversos em relação a Jacek. Se este for um retrato pessoal da Polônia contemporânea, talvez o país esteja perdido. Rapidamente, o amor de mãe se esvai, a namorada ignora o protagonista, a mídia e as empresas querem convertê-lo em excentricidade lucrativa. Jacek, limitado intelectualmente e passivo diante dos ataques, aceita tudo o que lhe impõem.
Mug funciona como comédia de humor negro, tendo em vista a quantidade de risadas que despertou na plateia de críticos em Berlim. As alfinetadas na igreja católica e no individualismo contemporâneo despertam bons momentos isolados. O uso de música pop antiga e as estranhas imagens parcialmente desfocadas – como nos filtros de fotografias digitais – também geram um bem-vindo estranhamento, sem falar nas belas cenas dentro do hospital, logo após o acidente. Em conjunto, no entanto, fica a impressão de deboche, uma disposição a destruir todos os lados sem defender o que quer que seja. O que a cineasta tem a dizer sobre esses poloneses, além da constatação óbvia de serem mesquinhos? Nem o protagonista, patético do início ao fim, é abordado com o mínimo de compaixão.
Após o acidente de Jacek, o filme também o trata como aberração. Os espectadores com algum tipo de deficiência, ou sensíveis ao tema, devem ficar particularmente incomodados com este tratamento que privilegia o humor à empatia. O protagonista não ganha uma chance de aprendizado, uma representação de suas dores diante da violência dos familiares. Ele se cala, sendo esquecido por trás da nova máscara. Não por acaso, a conclusão o abandona completamente. Szumowska mostra-se mais interessada em trabalhar seus inúmeros símbolos cômicos (o Cristo polonês, o casaco de motoqueiro) do que investir numa construção psicológica. Fica difícil se identificar com o olhar de quem quer que seja – o de Jacek, o da família cruel, o da ex-namorada indiferente, dos moradores perversos e mesmo da diretora brincalhona, mas condescendente com a agressão retratada.
Filme visto no 68º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2018.