Memórias
por Francisco RussoNão é exagero dizer que Mônica Martelli construiu sua carreira com base nas próprias experiências de vida, seja na versão teatral de Os Homens São de Marte... E É pra Lá que Eu Vou ou em suas adaptações para o binômio cinema/TV. Minha Vida em Marte dá continuidade a esta saga, personificada por seu alter-ego Fernanda, agora enfim casada e às voltas com a rotina e o desgaste do relacionamento. Entretanto, o que mais chama a atenção não são as novas trapalhadas da atriz/personagem, mas o quanto o filme é diferente de sua matéria-prima, a peça teatral Minha Vida em Marte.
Como esperado, Minha Vida em Marte (a peça) traz o já conhecido bom humor ao retratar aflições da mulher contemporânea aliado a uma profundidade inerente pela dor no fracasso de um projeto de vida. "Ninguém casa para se separar, é para ser para sempre", diz Fernanda. A morte do sonho é dolorosa, trazendo ao texto uma camada inexistente em seu prelúdio ao abandonar a ansiedade por um par pela necessidade em ser feliz consigo mesma. Emociona.
Já sua versão cinematográfica, por mais que não fuja à proposta, é mais uma dedicatória à amizade do que propriamente uma análise sobre relacionamentos a partir de uma ótica pessoal - tanto que o antes coadjuvante Paulo Gustavo assume o posto de coprotagonista, escanteando o maridão interpretado por Marcos Palmeira para um punhado de (poucas) cenas. Tal decisão, é claro, valoriza o tom cômico, que ganha força graças ao humor sarcástico tão característico do intérprete de Dona Hermínia. Ao mesmo tempo, trata-se de uma alteração fundamentada muito no lado comercial, vide o sucesso da franquia Minha Mãe é uma Peça e da série/filme Vai que Cola. Paulo Gustavo atrai público, e Mônica Martelli e os produtores sabem disso.
A grande questão é que a onipresença de Gustavo traz consequências à narrativa, como a criação de uma bolha onde apenas Fernanda e Aníbal existam e dialoguem entre si, ignorando todos os que estão ao redor - alguns bem perto, por sinal. Seu estilo de humor faz também com que o filme deixe um pouco de lado o tom feminino, intrínseco à história de vida de Fernanda, e parta para um lado mais escrachado que envolva também piadas sexuais - sempre dosadas na ousadia, no melhor estilo De Pernas pro Ar - e até comportamentais, como no hilário trecho em que a dupla replica o comportamento de turistas brasileiros em Nova York. Ou seja, Minha Vida em Marte - o filme - tem um objetivo diferente de sua matriz: lá, a ideia era divertir a partir de situações que levavam a questionamentos sobre as necessidades de cada um; aqui, a proposta é simplesmente entreter, tendo por base um pano de fundo um tanto quanto raso, especialmente pela ausência intencional de um personagem tão importante quanto o marido.
Soma-se a isso uma certa falta de desenvoltura por parte da diretora estreante - no cinema - Susana Garcia, que entrega algumas cenas bem esquemáticas e pouco convincentes - a do casamento interrompido é um ótimo exemplo. Ao ser comparado com Os Homens São de Marte..., fica escancarado como a direção de Marcus Baldini no anterior entrega uma fluidez e sofisticação visual bem mais orgânicas do que neste filme, que por vezes salta de esquete em esquete e entrega diálogos bastante artificiais.
Apesar de tais problemas e de optar pelo fácil na narrativa, fato é que Minha Vida em Marte diverte. Repleto de cenas que exploram a beleza do Rio de Janeiro, o filme se sustenta especialmente na parceria entre Mônica Martelli e Paulo Gustavo, onde trechos em que ambos estão no trabalho rendem até melhor que os problemas amorosos de Fernanda, vide o bom trecho no velório. Por eles vale o ingresso, por mais que quem tenha visto a peça teatral talvez saia da sala escura um tanto quanto decepcionado.