Fora do ninho
por Barbara DemerovUma das famílias mais disfuncionais e engraçadas da televisão brasileira agora entra nas telas de cinema com a mesma ideia que possuía na década de 90: a de entreter sem se importar em chocar. Sai de Baixo - O Filme foge da estrutura de teatro filmado do elogiado programa para seguir com as próprias pernas numa road trip – só que bem às avessas. A principal diferença entre o que víamos nas telinhas e o que é exibido na telona é justamente a passagem de tempo e a adição de alguns personagens, porque o essencial, por bem ou por mal, permanece.
Na trama, acompanhamos a trupe formada por Caco Antibes, Magda, Ribamar, Vavá e Cassandra (além das adições das personagens Caquinho, Cibalena e Sunday) na maior parte do tempo dentro de um ônibus da empresa Vavatur a fim de realizar uma missão bem complicada: levar joias caríssimas para fora do país sem que a polícia fique sabendo. O humor já entra a partir do momento em que vemos a família um tanto separada, pois Vavá está preso e Caco, por sorte, está de saída após alguns anos de reclusão. O apartamento do Arouche foi tomado e todos moram com Ribamar no mesmo prédio, mas em local pequeno e precário. Tal situação já é um palco amplo para piadas com relação aos pobres – ainda mais quando Caco retorna de vez.
O fato de vermos a família saindo da zona de conforto que cativou o público entre os anos 1996 e 2002 não deixa de divertir em um primeiro momento, mas após alguns minutos já parece afetar a condução da narrativa. É como se aqueles personagens, caricatos como sempre foram, não se encaixassem na vida real, no mundo afora. As piadas mantém-se as mesmas, algumas até com certo teor pejorativo, o que pode incomodar espectadores que não consigam enxergar o estilo da produção como propositalmente incorreto, ou até crítico para com as questões sociais de um país como o Brasil.
Piadas sobre pobres não é o que falta, assim como situações que acentuam traições, má índole e má conduta. Há também piadas óbvias e não tão engraçadas, como quando Magda trabalha (muito brevemente) em uma empresa de telemarketing – o que resulta em uma gracinha aqui e ali com relação ao modo de falar em gerúndio. Mas se há uma piada específica que funciona é a da imposição de Magda perante ao famoso bordão "Cala boca, Magda!". Ao ouvir tais palavras, ela se impõe e deixa claro que os tempos mudaram. Seguida de uma atitude responsável da personagem quanto à trama principal das joias, esta situação serve como um respiro aliviado em uma história que possui twists atrás de twists.
O roteiro não parece se importar tanto com a resolução da história: o importante é não perder a hora da piada, que acaba sendo 90% do tempo – como o esperado. Mas é inevitável pensar na falta que aquele local tão aconchegante como o apartamento no Arouche faz, assim como é inevitável se questionar se era realmente necessário criar uma trama rocambolesca sobre joias, um roubo e o roubo do roubo. É confuso acompanhar a narrativa, pois mais que ela entregue a parcela de comédia semelhante ao que o programa se propunha a entregar. No entanto, poucos momentos soam tão naturais como acontecia no palco. Nem mesmo o improviso.
As participações de Lucio Mauro Filho, que interpreta dois personagens diferentes, assim como as de Katiuscia Canoro e Cacau Protásio, representam um refresco divertido à história, mas não menos caricato como todo o restante do elenco. Não há camadas mais profundas para analisar, apenas a camada superficial de um humor que funcionava perfeitamente há 20 anos, mas que agora não aparenta possuir tanta força.
Para quem quer sentir uma pontada de nostalgia da década de 90 e reencontrar os queridos personagens do mesmo jeito que estavam, Sai de Baixo - O Filme desenvolve bem esta missão. Mas se a intenção era justamente nos fazer matar ainda mais a saudade (apesar de um revival em 2013 já ter ocorrido), certamente um trabalho mais consistente de personagens, dentro da zona de conforto no amplo apartamento, soaria mais natural e próximo ao espírito do projeto.