Delírios da masculinidade
por Bruno CarmeloDaniel é apresentado pelo filme como um homem comum. Por comum, entenda-se: preso a um emprego entendiante, casado com uma mulher pela qual perdeu o interesse, e incapaz de se deparar com uma jovem atraente sem alimentar sonhos eróticos com ela. Sua ética é pautada pelo desejo sexual, pela vontade de se sentir mais jovem através da associação com uma garota vinte anos mais nova. Quando reencontra o amigo Patrick e conhece a namorada muito mais jovem dele, Emma, o protagonista não consegue segurar os seus pensamentos libidinosos. Coitado, o que ele pode fazer? Daniel então troca as palavras, derrama a bebida e a comida, sonha com a mulher nua na sua cama ou num cenário paradisíaco.
A Outra Mulher constitui uma homenagem à masculinidade frágil, à ideia de que infidelidades e escapadas acontecem porque “a carne é fraca”. As personagens femininas da trama representam dois únicos tipos, bem definidos: ou correspondem à esposa histérica e rancorosa, ou à amante sedutora, libertina e acessível. Em outras palavras, a santa – vestida de branco, toda sorrisos – e a prostituta – de vermelho sangue, com olhares maliciosos. A amargura da primeira serviria de livre conduto para se envolver com a segunda. Em pleno 2018, esta adaptação de uma peça de teatro parece sair de uma configuração social dos anos 1950, quando todo conservadorismo era desculpado em nome do humor. “Mas é só piada”, diziam – e ainda dizem – os principais preconceituosos.
De fato, o humor é a principal ferramenta através da qual se solicita o perdão ao desengonçado Daniel diante da beleza de Emma. O filme busca a cumplicidade do espectador diante da beldade representada por Adriana Ugarte: você também não conseguiria se controlar, certo? É nesta cumplicidade do olhar masculino a outro olhar masculino, com a mulher transformada em objeto de fetiche, que se encontra o maior problema do projeto. Certo, tudo não passa de uma alucinação, como deixa claro o roteiro. No entanto, este ponto de vista impede que qualquer mulher ganhe protagonismo, ou tenha o seu ponto de vista valorizado pela direção. Elas são vistas unicamente na terceira pessoa.
A Outra Mulher é beneficiado pelo impressionante elenco. Daniel Auteuil, também diretor, atribui a si mesmo o papel principal, ao lado de Gérard Depardieu e Sandrine Kiberlain, dois pilares do cinema francês. Enquanto Auteuil gagueja e se atrapalha no melhor estilo Hugh Grant, Depardieu efetua uma construção simples e eficaz, e Kiberlain demonstra sua impressionante desenvoltura com diálogos. Ugarte faz o que pode para ser mais do que uma utopia erótica, uma mulher irreal por definição. Os atores são muito bons nas interações cômicas, mesmo dispondo de piadas básicas como o protagonista derramando chocolate em Emma após vê-la de boca aberta. O aspecto físico e explícito dos teatros populares é perservado na adaptação ao cinema.
A narrativa melhora bastante quando se desloca do desejo sexual para a paixão à primeira vista. De repente, Daniel não é apenas um homem excitado, e sim uma vítima do amor avassalador pela namorada do amigo. A montagem continua alternando entre o tempo presente do jantar com o tempo desconexo do delírio de Daniel; enquanto a direção mantém a sucessão impassível de planos próximos e planos de conjunto. No entanto, ao menos a comédia ganha ares lúdicos ao apostar no “turbilhão da vida”, como diria Jeanne Moreau, focando nos casais que se formam e se desformam, amores que acontecem e depois passam. Rumo à conclusão, o filme se assemelha aos quiproquós amorosos dos deliciosos filmes de Emmanuel Mouret. Antes disso, no entanto, limita-se a desculpar o macho alfa por suas, digamos, necessidades físicas.