Críticas AdoroCinema
1,5
Ruim
Mal Nosso

Exercício de estilos

por Bruno Carmelo

É difícil compreender, no início, que espécie de terror Mal Nosso pretende desenvolver. As elegantes imagens de abertura apresentam de modo eficiente, sem um único diálogo sonoro, a busca de Arthur (Ademir Esteves) por um assassino de aluguel. A câmera desliza pelos cômodos da casa com um apuro estético notável. Logo depois, os diálogos aparecem em grande quantidade, enquanto a câmera se torna mais estática, e os enquadramentos, mais acadêmicos (vide a cena do bar). Partimos do suspense psicológico ao slasher, para depois adentrar as produções de monstros e de exorcismo. A trama alterna entre o presente e o passado, enquanto entrega o importante clímax no meio da história.

O resultado pode ser considerado ambicioso em sua colagem de estilos e sua cronologia fragmentada, ainda que cada subgênero não apresente, em si, nenhuma novidade na forma ou conteúdo. Os problemas surgem no modo como esses subgêneros se comunicam dentro de uma mesma narrativa: o filme parece organizado em esquetes independentes, nas quais novos personagens se sucedem ser produzir efeito significativo na trama (a exemplo da vítima de exorcismo), como se correspondessem a um desejo do autor Samuel Galli em brincar com o maior número de registros possíveis. O resultado se aproxima da brincadeira cinéfila um tanto inócua em sua alegoria sobre a natureza (boa ou má) dos seres humanos.

A produção transparece o baixo orçamento através de cenários e figurinos deficientes – a exemplo do bar ou da casa onde ocorre o exorcismo. Os diálogos se demarcam pela artificialidade, tanto nos momentos em que explicam algo que a imagem não traduz por conta própria quanto nas cenas de vocação “subversiva” (“Parabéns, este mundo é um lixo!” ou “Preciso de um lugar para meter”). As atuações são uniformemente fracas: cada ator declama seu texto como se estivesse nunca leitura branca, se atardando exageradamente nos sinais de pontuação. Ademir Esteves busca algumas pausas curiosas no texto, estranhas à linguagem oral.

Além disso, Mal Nosso incomoda pelos tiques (o fetiche pela filmagem de mãos e pernas) e principalmente pela representação das mulheres. O slasher e os filmes de exorcismo carregam um machismo histórico, e colocar todas as personagens femininas em posição de submissão, sendo retalhadas e maltratadas para o prazer dos homens, se traduz numa prática questionável para um filme do século XXI. A representação voyeurista do lesbianismo e a conversão da filha de 20 anos em ninfeta soam grosseiras (a montagem inclui espaço para a espuma de detergente simbolizando esperma), enquanto a nudez feminina é muito mais explorada do que a masculina. O olhar transborda de fetiches cinematográficos e de sexualidade.

Enquanto isso, a tendência a desculpar Arthur através do trauma e da lógica do sacrifício (ele teria cometido um crime em nome de um bem maior) se converte num olhar condescendente às figuras masculinas. O melhor exemplo são as incômodas cenas do circo, quando discursos motivacionais rompem com a tensão esperada do terror para tratar os homens como vítimas. O projeto se encerra com ideias em excesso, dispersas, que precisariam de um pulso firme na produção e um refinamento de roteiro.