Críticas AdoroCinema
3,0
Legal
O Retorno de Ben

A redenção de um pecador

por Bruno Carmelo

Não é por acaso que este drama se inicia numa igreja, e tem uma de suas cenas mais fortes durante uma missa. O Retorno de Ben começa e termina com duas representações simbólicas da ressurreição: este é um drama de clara vocação religiosa, na qual um garoto viciado em drogas precisa provar a si mesmo, à família amorosa e à sociedade que se recuperou das práticas nocivas. Ele aparece em casa no Natal, interrompendo a paz de uma família numerosa, feliz e multiétnica, para semear o caos. De certo modo, Ben (Lucas Hedges) representa a tentação à qual todos precisam resistir. Como se manter íntegro perto de um jovem tão perigoso?

O diretor Peter Hedges busca equilibrar o filme entre dois registros opostos. Por um lado, aposta no “filme de personagens” de vertente realista, com a câmera colada no rosto de Ben ou da mãe Holly (Julia Roberts) durante a quase totalidade das cenas. A imagem treme livremente, como na cartilha dos dramas independentes, e se move por todos os lados, instável como o garoto. Por outro lado, o roteiro investe num caminho simbólico, artificial: desde o momento em que o jovem reaparece, ele se confronta a inúmeros indícios de sua conduta repreensível. Onde quer que olhe, encontra antigos traficantes, antigos viciados, adultos a quem costumava fazer mal. Uma simples ida ao centro comercial serve como desfile pelo passado de Ben.

Como pode se perceber, a culpa constitui o principal motor narrativo do roteiro. Os crimes de Ben se encontram no passado, de modo que cabe ao garoto apenas se arrepender, pedir perdão inúmeras vezes e esperar ser aceito novamente. A mãe, em paralelo, sente-se culpada por não conseguir interromper o vício do filho, enquanto um médico - uma das figuras acessórias que brota em meio ao périplo do garoto - recebe sua parcela de culpa por viciá-lo em remédios. Mas o filme não pretende desculpá-los tão cedo: antes de qualquer possibilidade de união, a noite de Natal dos protagonistas será marcada por uma verdadeira descida aos infernos, para que o martírio possa purificá-los mais tarde.

Lucas Hedges, o talentoso ator de Manchester à Beira-Mar e Anos 90, recebe do pai, o diretor Peter Hedges, um estranho presente: embora o papel do jovem drogado seja ideal para demonstrações espetaculares de talento dramático, Ben se revela um personagem que pouco faz na trama - na verdade, são os outros que fazem por ele. Como a narrativa se situa após os piores momentos de vício, resta ao garoto receber estoicamente a punição pelos atos, com expressão emburrada e gestos endurecidos. A compreensão do espectador sobre o vício de Ben depende inteiramente da fala de terceiros. Enquanto isso, Julia Roberts interpreta a incansável mãe-coragem, misturando a benevolência da matriarca de Extraordinário com a garra e a petulância de Erin Brockovich. Talvez não seja algo muito inovador para a atriz, porém funciona dentro da trama.

Partindo da estrutura tradicional do drama, O Retorno de Ben se torna cada vez mais asfixiante e próximo do suspense - a câmera se aproxima dos rostos, mergulhando mãe e filho na escuridão da noite. O único dia em que se passa a trama constitui uma provação divina, um teste da resiliência de Ben contra as drogas, de Holly contra a tendência a abandonar o filho-problema, do marido Neal (Courtney B. Vance) diante do enteado, e da sociedade cristã como um todo, podendo dar uma nova chance à ovelha desgarrada. Esta não é apenas uma provação do amor ao próximo, mas uma representação da perenidade das funções sociais - a obrigação moral da mãe em criar um filho íntegro, do pai em manter o funcionamento da família etc.

É uma pena que Ben seja reduzido ao “garoto drogado”, e que todas as cenas girem em torno deste único elemento. O filme é obsessivo, monotemático, incapaz de enxergar nos personagens figuras singulares para além dos arquétipos funcionais de “menino problema” e “mãe perfeita”, ou ainda de pecado e virtude, bem e mal. “Você está tentando demais”, reclama o adolescente em determinado momento, ao que Holly responde”: “É isso que eu faço”. Em outras palavras, é para isso que ela serve, tanto na sociedade quanto na estrutura do filme. O projeto se encerra como fábula, menos preocupado em resgatar a humanidade dos personagens do que em escancarar o valor de seus atos. Por tudo a que submete Ben, Holly e os demais familiares, pode ser interpretado tanto como um belo conto de superação quanto como uma exposição perversa daquela família, por condicionar a recompensa (moral) à quantidade de sofrimento suportado ao longo do caminho.