Críticas AdoroCinema
3,0
Legal
Bikini Moon

Perdidos no labirinto

por Bruno Carmelo

A apresentação de Bikini (Condola Rashad) produz o efeito de uma explosão. A moradora de rua é vista por um grupo de documentaristas enquanto preenche os formulários da prefeitura, visando garantir uma moradia. Ela é engraçada, sedutora, violenta, espontânea, mentirosa. É difícil tirar os olhos dessa figura hipnótica. Bikini parece ao mesmo tempo perfeitamente sã e completamente maluca quando conta, em detalhes, sua experiência como soldada no Iraque, o talento para a carpintaria (“sou como Jesus, mas com peitos”) e a saudade da filha pequena, retirada dela em virtude dos evidentes problemas mentais.

Ela estaria falando a verdade ou não? Durante todo o filme, a dúvida persiste. No entanto, o casal Kate (Sarah Goldberg) e Trevor (Will Janowitz) decide centrar seu documentário apenas na mulher misteriosa. Eles dão abrigo, fornecem remédios para torná-la estável, mas não se sabe até que ponto a caridade funciona como mero interesse para que ela coopere para o filme. Até que ponto um documentarista pode influenciar no meio que retrata? Se modificá-lo por conta própria, ainda trata de uma realidade? O diretor Milcho Manchevski constrói uma ficção sobre um falso documentário sobre uma mulher selvagem, manipulada pelas rédeas do cinema.

O tema é confuso, porém esse é só o começo. O roteiro de Bikini Moon se dedica a tornar essa premissa ainda mais complicada, com as diferentes camadas se cruzando até o limite do absurdo. Como brincadeira metalinguística, o resultado é fascinante, pois desperta distanciamento em relação a cada imagem: somos convidados a suspeitar de tudo o que vemos. O documentário, por definição, é o “gênero no qual a realidade não pode ser posta entre parênteses”, mas o pretenso documentário abriga cenas que jamais poderiam acontecer na realidade. O cineasta testa os limites do espectador, oferecendo momentos cada vez mais improváveis, até a incursão explícita na fantasia. Em que ponto nossa confiança se perde? Onde a suspensão da descrença atinge seu limite?

Ao mesmo tempo, a brincadeira com a linguagem pode deixar um gosto amargo por basear seu humor na provocação. O público, neste caso, não é o interlocutor da piada, ele é a piada, a cobaia do experimento. Manchevski ri, do início ao fim, da confusão milimetricamente provocada por ele. Em certo ponto da narrativa, quando os fatos se entregam completamente ao absurdo, Bikini Moon se transforma numa piada autorreferente, um exercício de linguagem, um fim em si mesmo.

Por esta razão, a possível relexão sobre a pobreza, as maneiras de lidar com pacientes psiquiátricos, a guarda de crianças e as brechas do sistema funciona como desculpas para o jogo continuar. Era preciso criar novas reviravoltas para Bikini surpreender Kate, Trevor e o espectador, então Manchevski faz os contorcionismos necessários para levá-la ao extremo. Por fim, temos um turbilhão, uma rede infinita de possibilidades de leitura e de movimentação. Como nos labirintos, a graça se encontra no prazer de se perder. No entanto, rumo ao final, pouco se transmite, pouco se diz. Bikini Moon é uma interessante brincadeira, mas pouco mais do que isso.