Diva blues
por Bruno CarmeloO título desta produção belga não poderia ser mais acertado: todas as cenas, sem exceção, orbitam em torno da personagem principal. Da primeira à última imagem, é o rosto de Luisa (Pieta Brown) que vemos. Neste universo cênico, tudo que não é a cantora, não existe. Como ela passa os dias convivendo com os membros de sua banda folk, o espectador acompanha um sem-número de cenas de apresentação e composição de músicas nos bastidores.
O processo criativo se revela simples e calmo. A possibilidade de um filme em estilo “sexo, drogas e rock’n’roll” é descartada pela ausência desses três elementos. Luisa cria em silêncio, escreve em silêncio, canta sussurrando e fala em tom menor. A personagem carrega uma impressão de ausência que contagia toda a narrativa. Mesmo quando recebe a notícia do retorno de seu pai distante, sofrendo de uma doença terminal, o resultado é uma quase imperceptível transformação nas expressões faciais - ou talvez isso seja apenas o efeito Kuleshov afetando o crítico.
Se a condição do pai não produz consequências sentimentais, ao menos ela influi no comportamento gradativamente fútil da protagonista. Aos poucos, a mulher introspectiva passa a agir por meio de caprichos, valendo-se da posição importante dentro da banda para obter privilégios. Ela o faz com o mesmo ar blasé de sempre, soando como uma diva melancólica. Enquanto isso, a diretora Olga Baillif manifesta ojeriza às catarses, fazendo seus personagens evoluírem microscopicamente.
O minimalismo produz o efeito de leve perturbação na monotonia. A cineasta opta por planos fixos, luz natural, cores frias, poucos ruídos, nenhum exploração da profundidade de campo ou de efeitos de montagem que possam atenção para si mesmos. Para o bem ou para o mal, a narrativa produz uma rara sensação de sonambulismo. Os personagens compõem, cantam, dormem, conversam, sem que os atos causem uma transformação maior.
Baillif procura um realismo semidocumental, especialmente nos atos de cantar e no retrato dos corpos. Por um lado, ela evita as armadilhas relacionadas à fetichização do trabalho artístico, como a tendência a transformar criadores em gênios explosivos, movidos pelos sentimentos ao invés do intelecto. A cena clássica do artista perturbado sofrendo um colapso nos palcos está ausente: mesmo cansada ou triste, Luisa age como profissional assim que começa a sua apresentação.
Por outro lado, a cineasta retira a energia da história. Baillif está certa de que as dúvidas da banda, mesmo em silêncio, são suficientes para carregar um filme inteiro. Alguns elementos realistas, como a relação ambígua de admiração e revolta com o pai, poderiam se transformar numa possibilidade de psicologismo de Luisa, porém o roteiro evita qualquer contaminação por recursos mais dramáticos. Ao Redor de Luisa tem orgulho de ser pequeno, minúsculo, quase invisível.