Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
Satã Disse Dance

O princípio do prazer

por Bruno Carmelo

Karolina (Magdalena Berus) tem uma profissão do século XXI: ela é “influenciadora”. Isso significa que a jovem passa os seus dias nas redes sociais, criando a imagem de uma figura extrovertida, engraçada, popular. A fama gera ensaios fotográficos, livros autobiográficos, viagens e outras ferramentas de sustentação da marca. Karolina é ao mesmo tempo a criadora e a criatura, ela é a artista e a obra de arte. Mais do que uma personalidade, a jovem se torna uma persona cuidadosamente moldada para gerar polêmica e garantir mais acessos.

A diretora Kasia Roslaniec decide abordar este mundo instável e agitado de modo igualmente instável e agitado. A tela se reduz para um formato vertical, próximo daquele dos celulares. É o formato do selfie, do narcisismo. Um letreiro avisa: “este filme é um quebra-cabeças, formado por fragmentos que poderiam ser montados de milhões de outras formas”. Em termos práticos, isso seria verdadeiro, pois a trajetória de Karolina funciona por amostragem ao invés de linearidade. No entanto, existe um ritmo muito cuidadoso por trás da aparente aleatoriedade das imagens.

Satã Disse Dance revela as suas imagens mais chocantes no início. A protagonista fica nua o filme inteiro, mas é no terço inicial que ela mantém relações sexuais com quatro ou cinco homens diferentes, também vistos nus, com ereções registradas pela câmera. As drogas, as festas, o vômito forçado e as brigas com a mãe são expostos imediatamente, como se a diretora dissesse: “Para quem quer polêmica, aqui está”. Depois disso, a cadência diminui e os enquadramentos começam a se focar, finalmente, no rosto de Karolina – o primeiro plano próximo aparece a 20 minutos da conclusão. Abandonamos a aparência cool da jovem para descobrir o que existe por trás.

Seria fácil descartar a produção por sua aparência trash e sensacionalista. O marketing oficial visa explorar esse teor imediato através do slogan “sexo, drogas e Instagram”. No entanto, o resultado foge das principais armadilhas comuns às produções de Larry Clark ou Gaspar Noé, por exemplo. O filme polonês não se diverte com a decadência de Karolina, evitando fetichizar a violência, o sexo e as drogas. A rotina de excessos é filmada em distanciamento semidocumental, no qual os corpos feminino e masculino são tratados de modo equivalente. A jovem não é punida por sua vida sexual intensa: a blogueira tem o direito de fazer de seu corpo o que quiser.

O projeto é beneficiado pela excelente atuação de Magdalena Berus, oscilando entre a euforia das festas e uma eterna sensação de abandono. A garota não vem de um meio social difícil, ela não é abusada pelos homens. O filme evita os psicologismos fáceis: Karolina é uma jovem burguesa, de família amorosa, envolvendo-se em relacionamentos de igualdade entre as duas partes. A impressão de vazio nasce da necessidade de manter o circuito desejante. Ela conquista tão facilmente as coisas desejadas que estas perdem valor, precisando ser substituídas por outros sonhos. Karolina aproveita a exposição excessiva de si mesma e depois sofre as consequências na mesma intensidade, como uma pessoa viciada passando por momentos sucessivos de êxtase e desencanto.