Um filme família como nos velhos tempos
por Pablo MiyazawaSe o título deste filme lhe parece familiar, é porque é mesmo: The Call of the Wild, ou O Chamado da Floresta é baseado em um clássico da literatura norte-americana de 1903, escrito por Jack London. Realmente, é o tipo de história perfeita para ser adaptada ao audiovisual, o que ocorreu várias vezes nas últimas décadas: esta nova versão, dirigida por Chris Sanders (de Como Treinar o Seu Dragão e Lilo & Stitch), é a sétima lançada nos últimos cem anos, sem contar uma série de TV do canal Animal Planet e um episódio de Natal do desenho do Snoopy.
Obviamente, este é O Chamado da Floresta mais caprichado de todos os tempos, porque é a primeira vez que o cão-protagonista realmente consegue expressar toda sua rica personalidade. Para nossa alegria, Buck jamais fala ou pensa alto. Todas as emoções deste simpático mix de São Bernardo com Collie Escocês são demonstradas por meio de olhares e do trabalho corporal de um ator canino... que na verdade não existe: sim, porque Buck é um ser computadorizado (quase) perfeito, criado a partir do trabalho dedicado do dublê e coreógrafo Terry Notary.
Mesmo com a alta qualidade da animação, a constante presença canina na tela causa uma estranheza considerável que dura pelo menos a metade do filme. Chega a ser impossível esquecer que aquele animal carismático e afobado é uma criação digital, o que atrapalha a experiência de quem esperava assistir a um live-action tradicional. Tal impressão só é aliviada quando seu parceiro humano de cena, o John Thornton de Harrison Ford, entra na história.
É algo interessante presenciar Ford fugindo de seu papel típico de herói másculo e infalível. Talvez seja a primeira vez em que o percebemos realmente envelhecido na tela, e a imagem não deixa de ser comovente, por mais que o monolítico astro não demonstre um pingo de fraqueza do alto de seus 77 anos. Uma cena em especial exibe o ator se banhando sem camisa, dando a entender ter sido arquitetada apenas para espantar impressões de fragilidade. Nosso velho herói de ação ainda dá pano para manga, ainda que dessa vez quase não precise colocar a mão na massa.
Apesar de ser um personagem raro em seu currículo, Ford parece bastante à vontade como Thornton, um homem traumatizado que encontra sentido na vida e alento na companhia de um cão aventureiro. Aliás, tal experiência apenas parece inédita na carreira do ator, mas na verdade nem é tanto. Afinal, já o vimos interagir com uma criatura peluda e indomável em um punhado de filmes de Star Wars (Chewbacca, como esquecer?). Ainda que O Chamado da Floresta seja originalmente uma história contada pelos olhos de Buck, aqui é o seu coadjuvante humano de luxo quem representa a verdadeira alma ao filme.
Para evitar grandes decepções, O Chamado da Floresta deve ser aproveitado pelo o que realmente é: uma mistura de live-action e animação voltada para crianças, com toques surrealistas e ritmo mais contemplativo do que acelerado. Não deixa de ser uma curiosa coincidência que este seja o primeiro dos filmes do estúdio 20th Century Fox a ser lançado pela Disney. Trata-se de um verdadeiro produto Disney à moda antiga, o que significa que foi feito especialmente para agradar famílias que vão ao cinema juntas -- este, por sua vez, um hábito cada vez mais raro nesses tempos tão selvagens dominados pelo streaming.