Críticas AdoroCinema
2,0
Fraco
Jovem Solidão

Terapia em grupo

por Bruno Carmelo

A premissa deste documentário chama atenção por sua simplicidade: a diretora Claire Simon conversa com onze estudantes do subúrbio parisiense sobre as suas vidas, seus medos, suas relações familiares – e só. Aliás, na maioria dos casos, são eles que conversam uns com os outros, no pátio do colégio, enquanto a câmera capta as interações. As imagens possuem um teor caseiro, quase amador devido à presença de uma câmera única, luz natural um tanto desbotada, som repleto de ruídos ao redor, enquadramentos fechados apenas nos rostos dos jovens. Este filme parece ter sido feito em pouquíssimo tempo, com equipe mínima, abrindo mão do rigor estético em troca do suposto humanismo que se espera do resultado.

A empreitada poderia funcionar do mesmo modo que funcionam muitíssimo bem os filmes de Frederick Wiseman ou Raymond Depardon, por exemplo. O primeiro costuma permanecer imóvel em determinados lugares, filmando silenciosamente à distância, até ser esquecido pelas pessoas e captar interações realistas. O segundo faz do dispositivo uma atração à parte: ora liga a câmera e deixa as pessoas falarem livremente sobre quaisquer pontos de suas rotinas (A Vida Moderna), ora coloca duplas instaladas dentro de um ônibus fechado (Os Habitantes), no qual podem conversar sem qualquer interferência do diretor, que sequer se encontra no recinto.

Em comum, estas abordagens transparecem o desejo de buscar uma verdade alheia à manipulação ou ao controle das imagens. Busca-se a liberdade total dos entrevistados, que ignorariam por completo a presença do dispositivo cinematográfico ao redor. Simon, por outro lado, não oculta sua intervenção: a câmera está sempre próxima demais dos corpos e dos rostos dos adolescentes, cujas conversas foram certamente estimuladas e controladas pela direção. Chega a soar artificial – fictício, inclusive – que discutam obsessivamente sobre os problemas com seus pais divorciados, sem tocar em outros assuntos que poderiam vir naturalmente numa conversa entre adolescentes, como a sexualidade, as drogas, os gostos musicais. Simon força um viés psicanalítico: quase todos os adolescentes são definidos por seus percursos na infância, embora suas vidas atuais ganhem uma representação ínfima.

Ironicamente, a cineasta jamais acompanha os adolescentes em suas vidas cotidianas, quando poderia perceber, através da imagem, aquilo que dizem cena após cena. Muito mais potente do que ouvir tantas confissões de doenças, abusos e abandono parental seria presenciar estes elementos no dia a dia. Como é o quarto de um garoto que jamais conversa com a mãe? De que maneira a garota de origem árabe vive a sua rotina em casa? Como a adolescente, filha de vietnamitas, se comunica com a mãe, sabendo que a matriarca não fala francês, e a filha não fala vietnamita? O poder do cinema se encontraria na capacidade de representar estas dores, estas angústias. Embora estes questionamentos fossem essenciais aos retratos, tudo se resume à fala. O espectador se limita à testemunha auditiva de uma sequência de dolorosas intimidades.

Diversos críticos torceram o nariz a Jovem Solidão por se tratar de um minúsculo filme de encomenda, proposto por uma escola parisiense, realizado em pouquíssimo tempo, sem grande esmero. Estes problemas poderiam, no entanto, ser superados pela interação humana, pela representação de angústias cotidianas. No entanto, Simon se contenta com a camada mais superficial destas trocas, recusando-se a buscar aquilo que não lhe é imediatamente oferecido pelos diálogos. Terminamos o filme conhecendo pouco sobre cada adolescente para além dos grandes traumas que moldaram as suas vidas. Entre uma morte e uma doença, uma briga e uma adoção, certamente havia particularidades de temperamento, pequenos gostos e sonhos que a câmera não ousa procurar.

Filme visto na 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro de 2018.