Um conto de Batman
por Francisco Russo"Você acha que já conhece todas as histórias do Batman?"
Ícone da cultura pop, Batman já foi adaptado aos mais variados estilos: das aventuras detetivescas às batalhas de grandes proporções pela Liga da Justiça, do tom gaiato e cheio de onomatopeias da série dos anos 1960 ao clima soturno da trilogia de Christopher Nolan, dos embates com o alienígena Predador à versão sarcástica e autorreferente feita em Lego. A pergunta que abre este texto, presente logo no início desta animação, é também uma provocação. Afinal de contas, esta é uma das mais ousadas e inusitadas recriações do bom e velho Homem-Morcego.
O gancho inicial é bem simplório e apresentado em (poucos) minutos: o Gorila Grodd constrói uma máquina do tempo e decide apresentá-la aos criminosos de Gotham City. Batman, é claro, aparece para estragar os planos. Com a máquina ligada, ele e todos ao redor são tragados em um vórtice temporal que os leva direto para o Japão feudal, séculos atrás. Simples assim.
Se falta uma justificativa mais desenvolvida, Batman Ninja compensa com a corajosa e criativa proposta de recriar o universo de Batman a partir de ícones japoneses, não só culturais mas especialmente em relação ao traço da animação. No melhor estilo mangá, com cabelos esvoaçantes e olhos grandes, o filme diverte não só ao apresentar as adaptações feitas a heróis e vilões como também oferece um visual impressionante nas cenas de ação, com referências aos clássicos Akira (nas cenas de velocidade, especialmente com a moto) e Dragon Ball (nos confrontos corpo a corpo).
Entretanto, limitá-lo neste aspecto visual seria leviano. Com um subtexto envolvendo a dependência da tecnologia nos dias atuais, o longa apresenta um Homem-Morcego de certa forma acomodado ao conforto de seus gadgets, precisando se reinventar - ou retornar às origens - em um ambiente adverso. Mais ainda: o longa estabelece a trama em um momento de vida em que Batman convive com quatro de seus pupilos: Asa Noturna, Robin Vermelho, Capuz Vermelho e Robin. Por mais que todos também sofram adaptações visuais e apresentem personalidades distintas, a existência de cada um não é explicada neste longa-metragem; a isto, cabe o conhecimento prévio do espectador acerca do Homem-Morcego.
O mesmo vale aos vilões. Gorila Grodd, Mulher-Gato, Pinguim, Duas Caras, Exterminador, Hera Venenosa, Bane, Arlequina e Coringa desfilam em cena apresentando uma imensa variedade de estilos, mas mantendo suas personalidades tão conhecidas. O destaque principal fica com o vilão-mor da constelação, o Coringa, aqui apresentado em uma saborosa combinação entre insanidade e infantilidade, sarcasmo e crueldade. A variação de sua personalidade, tão bem representada na troca de traço na animação, é de uma beleza criativa impressionante. Sem falar na deliciosa frase "Quando a vida te dá viagens no tempo, é preciso embarcar na viagem", síntese deste longa-metragem.
Nesta imensa viagem, Batman Ninja também comete seus excessos. Ao mais uma vez homenagear a cultura japonesa e investir no tradicional confronto entre robôs gigantes, o longa-metragem abandona de vez qualquer lógica em nome da diversão, diante da consciente proposta de abraçar o absurdo em nome da vertente espiritual tão recorrente à filosofia oriental. Trata-se da tal viagem, tão sabiamente mencionada pelo Coringa.
Realizado por uma equipe inteiramente japonesa, Batman Ninja é uma bem-vinda ousadia a um universo tão saturado quanto o do Homem-Morcego. Ao brincar com ícones institucionalizados, o diretor Jumpei Mizusaki e sua equipe demonstram uma profunda reverência ao já existente e também coragem ao inovar, surpreendendo o espectador pelas variações apresentadas. Impressionante visualmente e com uma trama rocambolesca típica das HQs, onde alianças inesperadas são feitas diante da necessidade, trata-se de uma das aventuras mais divertidas com o Homem-Morcego nos últimos anos, tanto no cinema quanto nos quadrinhos. Destaque também para o memorável confronto entre Batman e Coringa, com espadas de samurai, e o uso da clássica música-tema do personagem durante os créditos finais.