Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
The Perfection

Um dueto improvável

por Barbara Demerov

Num primeiro momento, The Perfection dá a entender que seguirá por um caminho seguro a fim de contar mais uma história sobre competição dentro do meio musical, mas há muito mais que isso dentro de seus quatro atos, cada um mais singular que o outro. Talvez seja essa a dor e a delícia de assistir a um filme como este: ao mesmo tempo que entrega tantas particularidades dos mais diversos gêneros, a obra não consegue evitar ser atropelada justamente por tal escolha. Não que isso prejudique a imersão (pelo contrário, tal mistura só potencializa a experiência), mas ainda assim não é impossível ficar com uma sensação estranha após seu fim.

The Perfection é uma mistura bizarra e ao mesmo tempo fácil de acompanhar. O drama, o romance, o suspense e o chamado "terror B" são elementos que possuem características bem diferentes, mas quando combinados de maneira equilibrada há de se esperar um resultado, no mínimo, curioso. É este o caso do longa dirigido por Richard Shepard. Cada um dos atos (sendo o último na verdade um epílogo) são tão discrepantes quanto complementares, o que mantém a suspeita em alta o tempo todo.

Na pele da protagonista Charlotte, uma violoncelista de sucesso no passado mas que acabou deixando sua carreira de lado por conta da doença da mãe, Allison Williams entrega a mesma carga dramática que pode ser vista em Corra!, mas aqui ainda mais recheada com twists. Ela é o principal brilho do filme, que nunca perde o compasso graças à sua presença distinta (e um tanto cínica) em tela - especialmente quando vê o que ela mesma poderia ter sido em Elizabeth (Logan Browning), outra jovem violoncelista cuja carreira se encontra no auge.

Como seu filme é dividido em atos, Shepard tem a liberdade de brincar com o espectador ao dar abertura a possibilidades malucas e enigmáticas, especialmente no segundo e terceiro ato. A real mensagem de The Perfection só nos é contada próximo ao desfecho, transformando toda e qualquer introdução feita anteriormente em peças de um quebra-cabeças sobre o que significa ter a real dominância de uma grande aptidão - e como superá-la se existir algum trauma oculto. Por inserir uma situação dramática que realmente surpreende com a ligação direta à arte e aos sacrifícios que se enquadram neste cenário musical, o filme eleva sua potência; mas ainda assim tem dificuldade para unir os gêneros já citados.

O estilo mantém-se o mesmo do início ao fim, mas em alguns momentos as trocas de direção da história não conversam entre si. Toda a sequência no ônibus, em particular, é o que há de mais trash no longa, enquanto o majestoso epílogo emana uma elegância fora do lugar comum - mas que também não deixa de ser insano. Exceto por estas duas passagens, no entanto, The Perfection vagueia por inúmeras possibilidades para, no fim, oferecer a mais humana (e impactante) possível. A reflexão de encerramento é uma questão universal cada vez mais discutida dentro de uma roupagem fantasiosa e extravagante. Mais do que epidemias e vinganças pessoais, a selecionada é muito mais importante enquanto exemplo de reparação interna e externa.

O visual traz um verdadeiro show de cores e cenários que logo adentra em um universo severo e violento, porém sem tirar o deslumbramento aos olhos do ritmo da narrativa. Tal deslumbramento, inclusive, também pode ser visto na relação entre Charlotte e Elizabeth, que se dá ora provocativa, ora sombria demais - mas muito bem trabalhada no suspense. Logo, possíveis comparações de The Perfection com Cisne Negro ou Whiplash, filmes que se cercam da procura incessante pela perfeição, tornam-se praticamente nulas quando os créditos deste filme em questão começam a rolar. Não existe dualidade na relação das jovens musicistas. Não existe competição quando a prioridade é a preservação da própria humanidade.