Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
Híbridos, os Espíritos do Brasil

Crenças e corpos em foto e música

por Rodrigo Torres

Híbridos, os Espíritos do Brasil forma uma dobradinha curiosa com A Imagem da Tolerância, lançado na semana passada. Ambos são documentários brasileiros, e ambos têm a proposta bacana de retratar (de forma singular) um meio de se ter empatia pelo outro em um momento mundial tão crítico. Enquanto a obra de Joana MarianiPaula Trabulsi ouve pessoas de diferentes credos, raças, sexos, identidades de gênero e classes sociais como prova da admiração sincretista pela Nossa Senhora Aparecida e do símbolo de acolhimento e aceitação de todos identificado na santa, Priscilla TelmonVincent Moon lançam um olhar estrangeiro sobre o ecletismo de religiões no Brasil — e são mais felizes em sua abordagem.

Sem entrevistas, nem mesmo falas, Híbridos, os Espíritos do Brasil adota um modelo observacional ambicioso, com Vincent Moon usando sua experiência como diretor de vídeos musicais de artistas do mundo todo — de R.E.M. e Arcade Fire a Ney Matogrosso e Gaby Amarantos, entre outros — para construir uma experiência imersiva e sensorial baseada na música. O fascínio do cineasta francês pelos variados rituais religiosos e cenas folclóricas é latente, e se reflete pela beleza com que a música e a imagem, captados sem interferência, se combinam com o intuito de realçar o sacro.

Esta reverência é marcada por lindas cenas à contraluz, closes e alguns ângulos não convencionais que ousam sem jamais deixar de lado a exaltação à cultura, à natureza, às origens de tais rituais. Em dado momento, uma cena de pôr do sol na beira de um rio em plena floresta e a apreensão do som direto assinalando o canto dos pássaros tão bem quanto os cânticos religiosos denotam a importância dessa comunhão. Tal graça, e o modo como a câmera na mão passeia entre os devotos e as cerimônias, ecoam a experiência da codiretora Priscilla Telmon em viagens exploratórias, como membro da Sociedade de Exploradores Franceses, além de fotógrafa. É o casamento perfeito com a obra de Vincent Moon.

Juntos, eles têm a sensibilidade de encadear diferentes liturgias com muita fluidez. O bom sequenciamento do trabalho de montagem de Híbridos ressalta, algumas vezes, as semelhanças entre os ritos, em especial das religiões afrobrasileiras com o culto evangélico, tratados como polos distintos e (absurdamente) impassíveis de coexistir no Brasil. Embora soe um tanto longa, a experiência decorrente é de um grande desfile de corpos que dançam em adoração às suas crenças próprias, e de um só documentário musical que canta em respeito a todas elas. E, em última instância, à combinação de signos variados em prol de algo único — o que é uma conceituação possível, e bonita, do bom cinema.