O despertar da dona de casa
por Bruno CarmeloMaria (Pei-Pei Cheng) sempre tem um sorriso no rosto. Ela compra seu peixe com um ar amável, prepara a refeição do marido com felicidade, acolhe a filha para jantares com uma presença tão afável quanto silenciosa. Apesar de morar em Toronto há décadas, conserva os hábitos da vida em Hong Kong e se recusa a se comunicar na língua local. Maria representa a típica dona de casa idosa, que nunca trabalhou, e dedica seus dias à ascensão profissional do marido. Ela acredita levar uma vida satisfatória, ainda que de poucas emoções – até o momento em que descobre estar sendo traída.
A diretora Mina Shum, também canadense e originária de Hong Kong, retrata este gueto com atenção especial aos detalhes, seja os pratos típicos ou as superstições comuns às gerações anteriores. Existe um carinho evidente por Maria, pelo marido Bing (Tzi Ma) e pela filha do casal, Ava (Sandra Oh), alter-ego da cineasta em sua representação da mulher independente, que já assimila os costumes locais sem o choque de culturas apresentado pela mãe. Meditation Park possui uma trajetória clara, conduzindo sua protagonista da submissão à independência, da condição de mãe e esposa à de mulher autônoma.
A ambição não poderia ser mais louvável, ainda que os caminhos escolhidos para tal não sejam dos mais sofisticados. Esteticamente, Shum opta por uma coloração quente que tinge todas as cenas em tom amarelado-rosado, em conjunto com uma trilha sonora pouco expressiva e enquadramentos meramente funcionais. A solidão da dona protagonista poderia ser bem retratada por seu espaço na casa, mas a diretora se concentra no básico: close-ups para as emoções mais fortes, planos de conjunto assim que um segundo personagem entra em cena, plano e contraplano na hora das conversas. Um diálogo importante entre mãe e filha na garagem de casa transparece a dificuldade em imprimir ritmo através das composições.
Em termos narrativos, as escolhas são ainda mais frágeis. A descoberta da traição, através de uma calcinha laranja no bolso da calça do marido, é retratada com impressionante insistência. A câmera visita a “calça da vergonha” jogada sobre a poltrona em pelo menos seis imagens distintas, acompanhada de música tristonha, para ressaltar o abismo da mulher traída. Talvez a mão pesada da direção tenha sido considerada necessária para gerar humor, mas apenas desgasta as imagens devido à repetição: a piada das senhoras idosas que trabalham como flanelinhas, a do neto aprendendo as primeiras palavras em cantonês e do vizinho generoso compartilhando seus problemas conjugais com Maria são expressadas tantas vezes que perdem o impacto.
Meditation Park investe num tipo de comédia dramática agridoce, não muito exigente em termos de linguagem ou ritmo, justificando-se pela promessa benevolente de transformar a vida da protagonista. Os motores narrativos são novelescos, à beira do humor involuntário – vide a crise ao telefone e o encontro com a amante – de modo a imprimir um tom ingênuo ao conjunto. O elemento mais contestável, ironicamente, se encontra na visão da emancipação feminina. Embora o roteiro tenha uma mulher como protagonista e a maioria das personagens sejam femininas, o resultado provavelmente não passaria no teste Bechdel: as mulheres se limitam a conversar sobre seus pais, maridos ou amantes, e sobre a melhor maneira de agradá-los. Os instantes finais tentam inserir uma revolução pessoal abrupta, pouco condizente com o otimismo morno proposto até então. Esta guinada, ainda que positiva, não retira da narrativa sua aparência mais benevolente do que contestadora.
Por fim, a direção transborda de ternura quase excessiva no limite do infantil – vide a atuação sobrecarregada de Pei-Pei Cheng. Sandra Oh demonstra a habitual desenvoltura com a transição do drama à comédia, enquanto Tzi Ma poderia ganhar um personagem um pouco mais complexo. Pode-se compreender que tantas concessões à psicologia e à realidade social produzam um discurso mais abrangente, que demonstra potencial de dialogar tanto com o público do circuito independente quanto com espectadores voltados aos títulos comerciais. Este é um filme um pouco raso, mas consciente disso e contente em sê-lo: Shum prefere passar pequenos ensinamentos ao grande público do que ensinamentos complexos a um número limitado de espectadores.