Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
Unicórnio

Deslumbrante, mas vazio

por Lucas Salgado

Responsável pelo belo Sudoeste (2011), que traz uma atuação arrebatadora de Simone Spoladore, o diretor Eduardo Nunes é um dos nomes mais marcantes do novo cinema autoral brasileiro. Como poucos, caminha numa linha perigosa entre o hermético demais e o transcendente. Ele nem sempre acerta, mas nunca deixa de tentar algo diferente e especial.

Seu mais novo trabalho, Unicórnio é baseado em dois contos de Hilda Hilst e oferece algumas das mais belas cenas do cinema nacional nos últimos anos. O filme começa de maneira absolutamente deslumbrante, sendo difícil não se envolver com a fotografia de Mauro Pinheiro Jr., com cores fortes e estouradas, e com o trabalho de som de Roberto de Oliveira e equipe. 

O longa se apresenta como uma experiência audiovisual valoriza. Enquanto o som insere o espectador no universo dos personagens, as cores oferecem uma visão única, como de quem entra numa pintura de Vincent van Gogh. Ainda neste sentido, é interessante como Nunes e Pinheiro Jr. trabalham também a questão do foco, muitas vezes embaçando ambientes e cenários, e ainda assim deixando-os bonitos.

Outro detalhe interessante da produção é certa atemporalidade. Se por um lado, temos figurinos de época, por outra nos deparamos com pequenos detalhes atuais, como os brincos da jovem protagonista. Nunes tem um controle impressionante da narrativa, que se comprova no fato de que o filme encontra sua força nos momentos não verbais. Por sinal, o primeiro terço é quase sem diálogos e é, de longe, o mais eficiente.

Se há o claro acerto estético, há de se reconhecer que existe também uma pobreza no que diz respeito à trama geral e, especialmente, aos diálogos, que são pouco naturais e prejudicam as boas atuações do elenco formado por Bárbara LuzPatrícia Pillar e Zé Carlos Machado.

A trama se divide em dois focos principais. De um lado temos Maria (Luz), uma jovem garota que mora no campo com a mãe e vê como esta lida com a chegada na terra ao lado de um novo vizinho (Lee Taylor). De outro, acompanhamos a mesma menina trancada em um quarto com ladrilhos brancos ao lado de pai (Machado), num cenário que claramente remete a uma instituição de tratamento.

A forma como o filme navega de um cenário para o outro é interessante, mas como nenhuma das histórias realmente se desenvolve, tudo vai ficando mais vazio com o tempo. A própria experiência visual vai perdendo força, pois a mise-en-scène não se sustenta sozinha pelos 122 minutos de duração.

Unicórnio é uma obra que oferece muito ao espectador, mas que claramente poderia (e deveria) oferecer bem mais. É por vezes deslumbrante. E em outras vazio.

Filme visto no 19º Festival do Rio, em outubro de 2017.