Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
A Parte do Mundo que me Pertence

Atenção aos pequenos grandes detalhes

por Barbara Demerov

Um sonho não tem endereço, nome ou razão: ele simplesmente é intrínseco em cada ser humano, não importando quando se torna mais aparente ou do que é composto. Um sonho pode se manifestar de forma silenciosa, dentro das pequenas coisas e nos momentos mais singelos do dia a dia de alguém; e é justamente pensando desta forma que o diretor Marcos Pimentel concebeu A Parte do Mundo que me Pertence, documentário esse que nos transporta facilmente para dentro das vidas apresentadas sem que seja necessário ouvir muitas palavras.

Para Pimentel, é no silêncio que se encontra o verdadeiro ouro - e ele está certo, pois seu filme não necessita de diálogos para se tornar mais sensorial ou inserir o espectador de forma mais próxima de seus personagens. É justamente na rotina comum de cada uma das nove pessoas que vemos a grandeza de cada olhar e gesto. Aos poucos torna-se muito fácil compreender o que cada uma daquelas figuras almejam e o quanto elas são humanas.

Com uma câmera que é praticamente invisível - por vezes ela realmente parece não existir para algumas das pessoas abordadas - e uma sutileza tão encantadora quanto marcante, A Parte do Mundo que me Pertence mostra como cada pequeno desejo se transforma num impulso que pode mudar tanto uma parcela de uma vida quanto ela por inteiro. Desde a vontade de empinar uma pipa até o sonho de ganhar na loteria ou ser uma bailarina são apresentados aos poucos, com pequenas "pistas" e vislumbres que vão costurando uma narrativa que prende - até mesmo pela montagem, que dosa cada história de modo a distribuí-las calmamente, por mais que pareça não fazer muito sentido no início.

O grupo de anônimos acaba por ser um grupo de pessoas que podemos conhecer no dia a dia - ou até podem representar um pouco de nós mesmos, com suas personalidades e trejeitos. É possível se identificar com cada cada sonho que não é colocado em palavras mas que pode ser interpretado em qualquer brilho no olhar. Por mais que alguns deles sejam vistos como muito difíceis de serem realizados, apenas o modo como são reforçados, com simplicidade e objetividade, já explicitam bem o que mora dentro de cada um em essência. Após passar por um processo inicial em que havia 70 pessoas para serem retratadas, Pimentel conseguiu encontrar neste seleto grupo uma gama admirável de visões de mundo sem que fosse necessário apresentar alguém famoso ou algo do tipo.

Essa verdadeira viagem dentro de um mundo anônimo, mas universal, faz com que A Parte do Mundo que me Pertence seja tocante a ponto de entendermos porquê cada personagem quer conquistar seu sonho, seja ele palpável ou não. A grandeza contida no âmago do ser humano é retratada com precisão a partir dos pequenos flagrantes cotidianos que o diretor registra em seu filme; e só o fato de conseguirmos ter uma boa noção do que eles significam sem que palavras sejam ditas já prova ser o suficiente para que tenhamos ainda mais certeza de que, para sonhar e tocar o próximo com suas próprias idealizações, basta existir.